A hora no Ônibus
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Abstrato de cheiro |
Que não fazer nada pode ser um pecado, todo mundo está sabendo. Que passear é um privilégio de quem não precisa estudar e depois trabalhar, sempre e cada vez mais, isso a maioria sabe sem precisar de líderes - religiosos ou políticos - que nos diga qual a cor do paraíso ou o cheiro do inferno. Entretanto, a união desses dois fatores - passeio e preguiça - é o que torna qualquer rotina em uma viagem cheia de particularidades nem tão boas, nem tão ruins, mas sempre interessantes!
Assim, tente sair de transporte coletivo, sob um sol que provoca a ira do calor constantemente, cheio de pessoas que se movimentam pelo cansaço e estresse de provas; pela pressa ineficiente de compromissos de importância duvidosa e por uma vida sempre tão igual, cuja monotonia faz qualquer criatura vegetar à luz de um céu profundo e ao som de músicas impertinentes.
Então, em um dia que a coragem subiu a um nível pecaminosamente alarmante, decidi pegar o ônibus coletivo, sujo, caro, e ir à rodoviária de Aracaju. Embora os problemas no transporte sejam conhecidos, nem sempre incomodam tanto quanto alguns passageiros.
Ao lado, senta-se uma criatura cuja idade ultrapassa o limite da obrigatoriedade da passagem. Essa, sem muito esforço, tem o antídoto contra os mosquitos - inclusive os mais robustos. Um cheiro azedo, impertinente e contínuo foi capaz de tirar-me da redoma do meu perfume, fazendo-me achar que o apocalipse tinha chegado na forma de fedor. À frente, a voz estridente de um ex-drogado regenerado pela palavra do Deus-Todo-Poderoso-da-Igreja-dele, foi suficiente para tornar a viagem uma sessão de pagamento de todos os pecados, até então cometidos. E, meu Deus, quanto pecado devo ter cometido!
Gente em completa aglutinação, fusão de perfume e suores alheios, bactérias e comida, velocidade e paradas bruscas, tudo isso junto em uma metálica caixa ambulante e egoísta, que absorve tudo aquilo que respira ou vive - mesmo virulentamente. Até que uma trajetória curvilínea dá a impressão de um possível acidente e uma parada acontece. É chegado o ponto final. Pessoas acotovelam-se para sair ao mesmo tempo que outras tantas tentam descer.
Essa é a realidade diária do pobre - ou pelo menos de quem não tem automóvel próprio - quando não há a manifestação da violência nos terminais ou dentro dos veículos.
E, no fim dos cheiros e gritos, pecado mesmo é ter que pagar para sofrer esses estupros sociais, sempre discretos e aceitos pela população.
Pecado é não tomar banho e pegar um ônibus!
Pecado é pegar um ônibus!
O Paraíso, bem, esse você é capaz de imaginar!
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