O que os namorados não enxergam



Uns acordes. Vozes que cantarolam uma melodia duvidosa. Auês de olhares excitados e bravos. E a tal bravura conhecida por suas obras e não pela fumaça que provoca nas incontáveis fogueiras acesas, no início da noite ou no fim do dia?
Bravos e bravura que não se explicam, pois ninguém quis ouvir as brasas quebrando no sereno mitológico do Antônio, o santo que carrega uma criança. A prole dos desencontros e dos presentes exposta nos braços de uma santidade. Não para o barulho e o passear dos olhos, que procuram sempre algo mais que compassos e sinceridade, declarações e dedicação, amassos e confissões. No clamor por um sincretismo ridículo e paranoico, as horas passam fingindo um medo de caminhos desconhecidos.
Nada acontece. Nada muda. A criança chora no leito silencioso quando o dia, vibrante, novo, chamativo, surge por entre frestas e raios. Fora, do coma doentio do silêncio, da não resposta, do caos íntimo de um espetáculo muito bem armado, as represas oculares rebentam em pedidos e gemidos para aquele santo esquecido no centro da praça, entre papéis sujos, lama, cinzas e embrulhos.
Os acordes nada disseram. As vozes nada pediram. E nas esquinas ficaram os amantes, trocados, com presentes encostados no vácuo de uma aventura e outra.
E quem não se lembrou de tirar a etiqueta do corpo, nos primeiros rumores da rua, não perceberá os pedaços espalhados, de si e de outrem, nos cantos de lojas, nos pingos de álcool, no ritmo da dança. A etiqueta criou rostos bonitos, palavras polidas e trejeitos ordinários para expressar em um tom febril e incisivo, as palavras grosseiras e os gestos adquiridos no meretrício global em que todos fingem estar.
Depois do alforje de lenha doméstica, Antônio acalenta a criança (inocente?) nos braços e aplaca-lhe a bravura com outras tantas promessas, outros tantos sorrisos, outras inúmeras tagarelices. Na sucessão da escuridão e suas belezas, a luz traz de volta a real lide de todo modo de vida. Sem espera, sem lágrimas, sem casos, sem embrulhos e com uma etiqueta, a criancice ressurge. Mas nada será como antes, o outono começa a se despedir.

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