Pobre usurpado

Foto: da internet.

O pobre não tem mais lugar no mundo, embora nunca tivesse. Entretanto, tomou dos miseráveis sua identidade, a pouca que lhes restava nas longas caminhadas por este mundo estranho e desencontrado. Retirou dos pobres a única coisa que restou depois das habituais humilhações e das inúmeras perdas que marcam a trajetória de pobres e miseráveis.
Primeiro, trocaram os adjetivos válidos por eufemismos. Pobreza passou a ser humildade. Comunidades paupérrimas passaram a ser chamadas de Comunidades Carentes. Depois, começaram a furtar, à mão armada e à luz do dia, seus costumes, aliás, seus raros meios de vida. As Havaianas, usadas por uma massa de miseráveis, principalmente dos pobres nordestinos. Tornaram-se, as Havaianas, coisas de luxo para as classes emergentes e para os ricos e famosos. Os miseráveis, coitados, não podem mais comprar as Havaianas, que “todo mundo usa”.
O Xadrez, típico do nordeste e das festas juninas, também foi usurpado. Tornou-se item chique! E, mais uma vez, o pobre perdeu seu paninho, chita, para cobrir seus magros ou gordos corpos. Vão ter que baixar o preço de outros tecidos e se não quiserem ver um monte de nus por aí.
A comida, nem se fala. Pensam alguns pobres ricos, que buchada, sarapaté, tripa de porco, feijoada, vaca atolada, sopa de entulho, pirão, rabada, mocotó, farinha seca, rapadura... que são comidas “chiques”. E, quando estão em um restaurante, gabando-se, esquecem que essas são comidas que surgiram da extrema necessidade, dos tempos em que a miséria fazia do barro o doce mais gostoso para os remelentos.
Essas, entre tantas outras, mudaram o pobre, para pior porque agora nem uma identidade própria possui. E, sim, pobres existem. Parem de eufemismos e de tentarem imitar o analfabetismo que deles decorrem, de imitar seus modos.

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