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Crônica de uma vida insuficiente VIII

Virar gente vulgar é inevitável e sob os dramas do cotidianos vamos vivendo como se o viço da juventude nunca fosse acabar. E quando menos se espera a pele vinca, os olhos embaçam e as mãos perdem a firmeza. As esperanças acinzentam-se e o que resta são traços de uma vida imaginada e jamais concretizada. Virar gente vulgar é ir morrendo entre códigos de barras, opiniões alheias e invejas imensas. Virar gente vulgar é fácil e eu já sou. 

Crônica de uma vida insuficiente VII

Não há nada mais inútil do que tentar agradar a quem não quer ser agradado. E isso é igualmente válido para aqueles indivíduos que estão dispostos a submeter o outro à baixeza de ruins sentimentos. Quantas vezes precisaremos provar nosso valor para quem está decidido a ignorar nossas lutas, conquistas e modo de ser? Embora sejamos impelidos a movimentar um sistema social em que atitudes são dispensáveis e palavras bastam, não podemos aceitar o cativeiro do desprezo que nos é imposto. Não precisamos da aprovação de pessoas que nos odeiam. Não precisamos do amor de quem nos detesta. E, sobretudo, não precisamos provar o nosso valor para quem quer que seja. Precisamos viver de acordo com os ditames de nossa própria consciência e arcar com as consequências dos nossos atos - nessa seara somente nós somos importantes e ninguém mais pode alcançar-nos. No fim estaremos acompanhados apenas por quem realmente importa, sem títulos, sem futilidades, sem os aplausos dos detestáveis.

Crônica de uma vida insuficiente VI

A minha vida é uma sequência de acontecimentos, em geral mornos e desagradáveis, que se amontoam entre escombros de amizades interesseiras. Pobre, principalmente de espírito, e sem nenhuma perspectiva além daquelas inatas à essa indigna casta brasileira, que ainda ostenta o título de retirante, sigo tentando ser aceito por outros pobres de níveis mais elevados da execrável pirâmide social. Ora sendo humilhado por saber de mais, ora por saber de menos. A vida não tem sido justa, nem mesmo tolerável. E o que tenho feito, desde sempre, é sobreviver com os pedaços de mim que ainda resta.

Crônica de uma vida insuficiente V

A casa está suja. Como a de todo pobre que luta por um quilo de feijão e uma bandeja de ovos. A vida está suja. São desilusões que nos joga para baixo e enterra-nos sempre e cada vez mais fundo. Tudo o que temos são palavras, exageradas, sobre o passado. E vamos seguindo em frente, para a nossa infelicidade, rumo a uma velhice plantada à porta e ávida por novidades alheias. O futuro está sujo. Como os mortos de hoje que sujam os salões, somos nós no futuro.

Crônica de uma vida insuficiente IV

Eu quero ser o vento   A poeira que cega      A aurora do mundo         A casa abandonada                                                                                                        O amor íntimo                                                                                                    O segredo sujo                                     ...

Crônica de uma vida insuficiente III

Já somos milhões. Desgraçados por escolha própria e de outrem, por vezes manipulados em nossa rasa opinião sobre política, religião e medicina. E, escondidos entre aplicativos, viramos poeira de civilização - escória que se contenta com vil elogio de quem mais desprezamos. A fome que agora bate à porta é a mesma que vitimou nossos antepassados.  O desemprego que aguilhoa nossos sonhos e desejos mais simples é o mesmo que fez surgir grandes cidades e desaparecer pequenas vilas. Hoje somos apenas números compráveis, meras fotografias que ilustram aplicativos, boatos de existência.  Sempre fomos milhões. 

Crônica de uma vida insuficiente II

Eu me perdi entre tantas palavras e esperas longuíssimas. E fui deixando para depois o que eu era - digo era porque hoje já não sou o que fui e nem poderia jamais voltar a sê-lo. Cada espera foi uma humilhação sutil a que me submeteram e cada uma delas acabou sendo o cimento com o qual construí pontes e fortalezas. Hoje não tenho mais um querer e nem uma paixão. Os hobbies ficaram para os protegidos e as esperanças para a elite. Para mim restou a fome e a falta de um lugar em um mundo que não me abriga. Agora estou aqui, livre em meus pensamentos e pronto para partir.