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Mostrando postagens com o rótulo Arte Plástica

Pelas folhas de vidro

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Quadro: Note in Pink and  Brown. James McNeill Whistler. 1880. O vizinho do outro, que aparentemente beija rapazes, não quis fazer uma de suas periódicas festinhas. O do andar de baixo não quis ter mais uma sessão de sexo selvagem, como no meio da semana e as fofoqueiras habituais do salão de beleza já foram. O apartamento de frente não está com a TV de 105'' ligada nos programas chatos da Record ou do SBT. As luzes de um novo dia já já começaram a rasgar o dia. Um dia novo com hábitos antigos. O Tédio, senhor de muitas horas, está na sala assistindo ao Corujão, com aquela expressão aborrecida no rosto. Ao seu lado o Ócio cansou de papo furado e deseja pôr-se em movimento. Mas como? Não acha saída.  Olhando-os assim, de frente, sem pretensões, é fácil entender as razões dos homicidas; o sentimentalismo dos velhos; o desespero dos jovens; a vontade de morrer dos vivos e as saudades de quem não possui mais poder para realizar pequenas proezas do dia a dia. E...

Distante

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Não me encontrando em um lugar, procure em outro. Estarei parado nalgum lugar esperando por você. Walt Whitman Sem querer, ou talvez pela necessidade de não ficarmos sós, acabamos sendo acessíveis durante todas as horas, nas mais diversas circunstâncias. E quando nos tornamos constantes deixamos de ser necessários, seja na vida de outrem seja no sortimento de sentimentos que provocam a saudade. A internet tem contribuído para essa constância e a qualquer clique podemos ver o que outra pessoa fez, disse ou fará em pouco tempo. Temos até a impressão de que a morte não existe, de que ela é só uma questão de estar off-line.  E tão certo quanto a produção de energia elétrica pela usina de Itaipu, as relações acabam minadas pela onipresença do outro - acabamos escravos da opinião alheia e dependente da aprovação dos "amigos", ainda mais que no século passado. Imagem: Dante et Virgile aux Enfers. Eugène Delacroix. É por isso, por essa inquestionável presença vi...

Imagina que louco

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Foto reprodução: Aldeia de Pescadores - Di Cavalcanti "Me fale das andanças ex amor Dos melhores momentos que passou Me fale que eu vou te falar dos meus(...)" Veja que achado você acordar e, seguindo o vício, acessar as redes sociais e deparar-se com A vida quis assim , de Oswaldo Montenegro, logo de cara! Sempre fico imaginando a carga de emoções que essa letra traz. Interpretada, ela fica ainda mais emotiva e surpreendentemente atual. Algumas poesias são tão universais que têm o poder de transformar as pessoas, destruí-las ou reconstruí-las, de modo que tudo que está à sua volta passa a ter um significado diferente e revelador. Imagine os ex amores sentados em uma mesa de bar e contando os casos, os percalços, as vitórias, as derrotas, entre uma dose e outra, entre um ovo colorido e um salgado qualquer. Imagine uma taça de vinho segurando as risadas e as lágrimas de dias passados, separados, em um presente que ninguém jamais pensaria que pudesse existir. ...

Pedido impossível

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Kandinsky Há pedidos que parecem ser demais até mesmo para o universo e todo o seu poder de realização e transformação. Um desses pedidos é aquele que se refere à nossa incapacidade de viver sem a aprovação dos outros, mesmo que seja de uma única pessoa. A fraqueza humana, aquela que dá origem para tantas outras, é justamente essa incapacidade de realizar obras e não precisar do "muito bom" de alguém, do "você é demais!" de outro. Temos a doença do estrelismo entranhada em nosso sangue e por mais que tentemos nunca conseguimos nos livrar de seus efeitos, diretos e colaterais, seja por que existe quem lembre seja pela carência de atenção que consome cada minuto de nossa vida. Somos assim - fracos. Somos carentes. Somos estressantes em nossas incapacidades. Somos doentes de atenção. Somos horríveis. Somos humanos. Isso não quer dizer que não consigamos viver sem a aprovação alheia, só que sem ela muitas obras incríveis deixariam de ser realizadas...

Toda paixão, nada de amor

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 The Strange Thing Little Kiosai Saw in the River. John La Farge. O amor que se dane! A graça é apaixonar-se pelo menos um vez, por semana. Fico imaginando os pensamentos das pessoas que pulam a paixão e vão direto para o amor eterno, uma eternidade com uma só pessoa - que muitas vezes se mostra mortalmente entediante. E não me rogo ao constrangimento alheio em que as pessoas não sabem o prazer e a tristeza das paixões diversas, diárias, efêmeras que acomete a quem está atento a si e a seus desejos, desvencilhado(a) dos quereres de outro ser. A paixão dentro de um ônibus que termina em um ponto qualquer; a paixão no shopping por alguém desconhecido; a paixão assassina por um ser maléfico; a paixão sem freios - todas em uma só pessoa,  tão intensas quanto o amor monogâmico e etéreo. Por falar nisso, como saber se o indivíduo amado é para ser eterno se não vivenciar as mais devassas e massacrantes paixões? Tenho que dizer, sem temor e com alegria, que não desej...

Silêncio #04

O Silêncio trás à tona a realidade nua inerente ao indivíduo que cala, mesmo que não o faça ao mundo, tornando-o instrumento de si na calma ou correria que nos rodeia a toda hora o dia inteiro. O estado de silêncio, se não o melhor, é um dos melhores companheiros para se estar a qualquer hora em qualquer lugar sem correr o risco de uma má companhia já que, como dizia Nietzsche, toda companhia é uma má companhia. Silêncio que cria a arte plástica, que inaugura a poesia cantada com o canto de poetas mortos, é também elemento originário do autoconhecimento. Propõe um sutil barulho, isto é, uma sutil voz interior que cabe a cada pessoa ao ouvir e interagir nas horas de prático exercício do silenciamento pessoal. Pode estar, ou exercitar, em silêncio em meio a multidões, pequenos grupos ou em dupla porque o essencial não é exatamente o meio em que está, mas os motivos que o levaram a  estar silenciosamente quieto. Entretanto, o silêncio não pode estar presente no cotidiano do indiví...