Entrevista com Ovídio Poli Junior
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Ovídio Poli Junior |
A entrevista de hoje é com o Escritor e Doutor em Literatura Brasileira (USP), que invadiu Palmeira dos Índios e região com o Cavalo Probo (Políbio). Ovídio Poli Junior mora em Paraty, onde dirige o Selo Off Flip, que neste ano lançou a 9ª edição do Prêmio Off Flip de Literatura. E em meio a tantos afazeres Ovídio conseguiu um tempinho e conversou sobre qualidade literária de livros, de como se tornou escritor e sobre produção literária nesse novo mundo tomado pelas redes sociais.
Rafael
Rodrigo Marajá: Como é
trabalhar com literatura e morar em uma das mais belas cidades do País?
Ovídio Poli
Junior:
Aqui se convive com o arcaico e o moderno, o cosmopolita e o provinciano: na
rua vemos carros, bicicletas e carroças, no mar podemos ver velhas traineiras e
iates de luxo. Paraty é uma síntese do Brasil e de suas contradições e ainda
precisa dar atenção a problemas sociais profundos, inclusive no que se refere
ao acesso à leitura. Mas é uma cidade inspiradora: em São Paulo, onde morava
antes de vir para cá, já havia escrito muitos contos, alguns inclusive
premiados, mas somente depois de morar aqui resolvi publicar os meus primeiros
livros. Foram três até agora: O caso do
cavalo probo (narrativa satírica que tem como protagonista um cavalo que ao
final da vida tem a ração cortada pelo prefeito), Sobre homens & bestas (volume de contos) e A rebelião dos peixes (para crianças, ilustrado pelos meus filhos).
E aqui em Paraty terminei de escrever a minha tese de doutorado (A pena e o cadafalso), que tem como tema
escritores que foram presos durante o período do Estado Novo (como Graciliano
Ramos) e que devo publicar em breve.
R.R.M.: Além de publicar livros você é escritor. Como vê seu trabalho de
editor hoje? E de escritor?
Ovídio: Quando um
escritor é editor, os autores ganham bastante com a atenção dedicada ao texto. Virei
editor como que por acaso, ao tentar conseguir apoio para publicar os primeiros
textos vencedores do Prêmio Off Flip. Diante das recusas, resolvi meter a mão
na massa e acabei publicando além da coletânea do prêmio duas obras de autores
locais pelo Selo Off Flip. Daí para publicar autores de outros estados
brasileiros foi um passo: começamos com Tabasco,
de Lucila Nogueira, obra pré-selecionada no Prêmio Portugal Telecom. Isso foi há
cinco anos. O Selo Off Flip é agora uma editora e participa de feiras e eventos
literários no Brasil e também no exterior (no ano passado tivemos títulos na
Feira de Frankfurt). Hoje vejo que as recusas que recebi foram fundamentais
para que eu me movesse e buscasse os meios para fazer as coisas com
independência e autonomia. O mais importante disso tudo é perceber que as
crises são oportunidades para que novos horizontes sejam abertos. E que as
parcerias são bem mais fáceis quando a gente consegue primeiro se firmar um
pouco e mostrar a importância do trabalho que fazemos. É bom que o começo seja
difícil: as dificuldades nos obrigam a ser criativos e o quanto queremos fazer
o que projetamos.
R.R.M.: Como se deu sua entrada no mundo da escrita?
Ovídio: Comecei a
escrever aos 16 anos. E acho que fiz isso porque além de tímido era um pouco
gago. Minha mãe, minha irmã e minhas tias falavam muito e tive que aprender a
falar aproveitando as pausas que elas faziam para respirar (risos). Sempre fui
contista: considero o conto um gênero extremamente difícil e complexo, talvez mais
complexo que o romance. Um romance pode ser reescrito várias vezes. Já o conto
tem a estrutura de uma bolha de sabão: qualquer intervenção inadequada faz a
bolha explodir. É como a polenta da minha vó: pode desandar se não acharmos o
ponto certo. O conto ainda é considerado um gênero secundário no Brasil, o que
é um grande equívoco. Mas isso em breve vai mudar: temos excelentes contistas ganhando
espaço e eventos dedicados exclusivamente ao gênero começam a ganhar projeção,
como o Festival Nacional do Conto, organizado pelo escritor e também editor
Carlos Henrique Schroeder em Santa Catarina.
R.R.M.: Quais seus escritores favoritos?
Ovídio: A lista é
bem grande: Edgar Allan Poe, Franz Kafka, Willian Faulkner, George Orwell, Juan
Rulfo, Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Mia Couto, José Saramago. Entre
os brasileiros citaria Machado de Assis, Lima Barreto, Monteiro Lobato,
Graciliano Ramos, Ana Miranda, João Ubaldo Ribeiro, Lygia Fagundes Telles, Chico
Buarque. E tem muita gente que não foi citada...
R.R.M.: Conte-nos sobre suas motivações para escrever.
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Ovídio autografando O Caso do Cavalo Probo. Crédito: Mariana Poli |
Ovídio: Sou
instintivo e acredito na inspiração e no acaso como elementos intrínsecos à
criação literária. É claro que nada disso subsiste sem a leitura literária, que
deve ser cultivada em todas as fases da nossa vida, principalmente quando pretendemos
ser escritores. Escrevo quando estou feliz ou quando estou profundamente
triste: ainda não consegui inserir a criação literária no meu cotidiano, é algo
que ocorre apenas em determinados momentos. Não digo que sou lento para
escrever: o que ocorre é que muitas coisas do cotidiano acabam nos afastando da
criação artística (que, como se sabe, é ainda um privilégio). No Brasil o
escritor ainda é obrigado a fazer inúmeras coisas para sobreviver. Ser escritor
é uma profissão difícil mas nunca vou parar de escrever: a gente sara de uma
neurose mas nunca se cura de si próprio, como dizia Sartre (risos). As motivações
são várias: a beleza, a morte, a injustiça, a desigualdade, o amor, a amizade,
os dramas todos da condição humana. Escrever é uma espécie de convivência
permanente com o outro, com outras pessoas e culturas. E o mais interessante é
que de certo modo escrever me tira da solidão, embora eu goste de ficar um
pouco isolado quando escrevo (risos).
R.R.M.: O que considera como um bom livro?
Ovídio: Um bom
livro é aquele que marca de forma profunda a vida do leitor, que traz à luz os
principais conflitos e dramas da condição humana, que redimensiona e transmite
a experiência a outras épocas e culturas. Um bom livro é aquele que aproxima as
pessoas pela linguagem e nos mostra não exatamente como devemos ser, mas o que
podemos ser se cultivarmos o que há de melhor em nossa condição. Um bom livro busca
tomar contato com as forças da vida em detrimento das forças da morte. Um bom
livro nunca se esquece e pode ser lido inúmeras vezes pelo mesmo leitor, sempre
de forma intensa. É o caso de O velho e o
mar, de Ernest Hemingway, obra que considero perfeita porque encontrou a
beleza justamente na simplicidade. Mas que ninguém se engane, como bem observou
Clarice Lispector: só se consegue esse equilíbrio com muito trabalho.
R.R.M.: Como avalia o mercado editorial e de produção literária nacional?
Está mais propício para novos trabalhos?
Ovídio: O cenário
atual é bastante propício a incorporar novos autores, sobretudo pela chamada
revolução digital. Mas isso tem também efeitos negativos: aumenta-se a produção
literária mas ela fica de certo modo diluída e pulverizada nas plataformas
digitais. Acho que o papel do editor será cada vez mais importante na medida em
que confere legitimidade e de certo modo atesta a qualidade do que se publica.
R.R.M.: Ovídio Poli Junior é o nome por trás do Prêmio Off Flip de
Literatura, que neste ano vai para a 9ª edição. Quais são os novos desafios
nessa época de minimização da escrita restrita aos 140 caracteres do Twitter e
ao mero compartilhamento do Facebook?
Ovídio: A escrita
nasceu com os homens e vai morrer com os homens: é algo que nunca vai acabar
enquanto existirmos. As pessoas têm uma necessidade atávica da narrativa: em um
de seus romances, Coetze insinua que a poesia nasceu da música e que esta
nasceu da necessidade de conferir linearidade ao tempo e de preencher o vazio
da existência humana. Com a narrativa é a mesma coisa: ninguém pode viver sem
contar histórias. Os prêmios literários estimulam essa necessidade e são uma
forma de os autores darem visibilidade ao seu trabalho, encontrando outros
leitores e escritores.
R.R.M.: Além de tudo, você é um dos fortes apoiadores do Clube de Leitura
Passarinhar, sob coordenação da Profª Vanusia Amorim, lá no IFAL – Palmeira dos
Índios. Como avalia essas práticas um tanto ousadas, visto que é um clube
literário em uma instituição de ensino técnico?
Ovídio: Tenho o
Clube de Leitura Passarinhar como uma referência que deve ser expandida a
outros centros de educação. Entre os gregos, arte e técnica se fundiam na mesma
palavra: techné. Sem falar que essa
divisão entre os saberes (exatas, humanas, biomédicas) é algo artificial: toda
ciência é humana e nenhuma ciência é exata, como disse alguém. A leitura
literária é extremamente necessária como atividade espontânea nas escolas e em
centros educacionais. Graciliano Ramos ficaria orgulhoso em ver em Palmeira dos
Índios um trabalho tão expressivo e importante – e certamente seria um ativo
colaborador do Clube.
R.R.M.: O Prêmio Jovem Escritor, promovido por Vanusia Amorim e que este
ano vai para a quarta edição, já está fixo no calendário e ao que tudo indica
terá vida longa. Acredita nesse tipo de iniciativa para o surgimento de novos
autores? Ou acha que é apenas entretenimento?
Ovídio: Todos
devem ter acesso à escrita e à leitura literária. É claro que nem todos querem ser
ou serão escritores, mas a criação literária deve ser estimulada tanto por
iniciativas individuais ou comunitárias como por programas desenvolvidos pelo
poder público. O Prêmio Jovem Escritor certamente terá vida longa porque conta com
o empenho de Vanusia Amorim e de apaixonados colaboradores, merecendo apoio
institucional.
Até a próxima entrevista, Pessoal!
Essa entrevista foi concedida por e-mail.
Até a próxima entrevista, Pessoal!
Essa entrevista foi concedida por e-mail.
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