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Sob o olhar invasivo do tempo

 Um resto de coca-cola em uma xícara branca, um sanduíche frio ainda na embalagem, um ventilador barulhento a roda de um lado a outro, músicas ao fundo.  Sou eu em um vórtice de um cansaço enquadrado em limites impostos sobre argumentos dispensáveis, refutáveis, incoerentes. O chão, branco, está limpo, ao menos.  Lá fora, mais ventilado que cá dentro, há rumores de uma vida pausada e nunca pensada, jamais observada de lado, como os gatos fazem quando estão curiosos.  Ouço Chico Buarque e o tempo parece pular pela janela meio aberta deixando uma sujeira sutil na parede onde se apoiou.  O tempo chegou. Hora de partir sob o olhar do tempo. 

A maldição do crente

 Em uma conversa via aplicativos de mensagens instantâneas eu disse De todas as coisas pra se ter em casa, o crente é a pior delas A fome, a peste, a pobreza, as maledicências, o mau gosto, a breguice, a ignorância, as doenças mentais, as brigas, os relacionamentos falidos, os suicídios... tudo isso e mais um pouco são unidos pelo laço da palavra de um deus ficcional e encarnados na figura de um crente. Sempre que ficam com bateria baixa eles vão às suas portas comerciais de preferência, enchem-se de uma palavra nefasta e saem às ruas envergonhando a todos com suas aparências deprimentes e suas palavras vãs oriundas de uma interpretação torta daquele livro ensebado que carregam.  Não cu que não reparem. Não há embocetamento que não estejam no meio comentando.  E nada há o que fazer, por enquanto, do que tentar conscientizar as novas gerações do fracasso que esses crentes representam e da ameaça latente que efetivam sempre que podem.  A casa em que habita um crente ne...

Construto Pessoal

 Quando paramos e todas as necessidades mais básicas estão minimamente satisfeitas (ainda que por breve momento), o silêncio ocupa todos os espaços por dentro da nossa complicada mente e em todos os vértices do lugar em que nos encontramos. Amores são revisitados e passamos em revista aos nossos desejos e frustrações. Talvez por isso odiemos terrivelmente quem nos mostra nossas fragilidades e medos. No fundo, somos o que somos. Nem mais e nem menos. Somos um construto de tudo o que escolhemos fazer, ver, ouvir, dizer, ponderar, projetar.  E então, resolvida a questão do que somos, nada mais resta a problematizar além daquilo o que procuramos definir como o Eu-que-me-habita.   Dessa maneira, quando olhamos bem direitinho para o que fazemos, percebemos que buscamos demais por riqueza, concreta ou virtual, que nunca nos chega simplesmente porque não estamos dentro da casta que a detém, por natureza, nascimento ou privilégio. Procuramos fora o que não nos pertence e apri...

A misoginia - uma superfície

 A misoginia tem raízes cotidianas. Insinua-se em pequenos desentendimentos no trânsito, no trabalho doméstico e na formação educacional. Vai tomando forma com discussões acaloradas e sedimenta-se no comportamento geral de ambos os lados. Sempre esteve presente e continuará sob novas formas e novas roupagens até que se entenda que a questão do ódio sedimentado não é uma questão de gênero, mas da espécie. Questão de dominação, o homem busca seu domínio sobre homens, mulheres, crianças. O branco busca manter seu domínio sobre o preto, o branco, o amarelo, o cafuço e os demais. O hétero busca manter sua hegemonia sobre o gay, o bissexual, o transsexual, o travesti e as demais siglas. É sobre poder. Nunca foi sobre representatividade. Sob esse manto, há questões como a misoginia, que vê a superfície e jamais atinge a profundidade, seja por incompetência estrutural dos debatedores, seja pelo plano político que se desenrola no governo dos países a partir das comunidades. A utopia de um m...

Os diabos pobres

 Durante a semana, no horário comercial, esses pobres diabos são as ferramentas que movimenta a roda da economia e pouco importa seus desejos e aspirações. À noite, depois que o tempo deixa de ser contado mesquinhamente, torna-se público para novelas televisionadas mal escritas, telejornais e polêmicas fabricadas de famosos de vida perfeita.  Aos domingos, esses pobres diabos são a plateia de pastores e padres, que em cada esquina abre uma sucursal da verdade absoluta. De si, dos seus gostos, só umas horas, poucas, rareadas, entre a tarde do domingo e o começo da manhã da segunda-feira. Nada além disso. Nada lhes pertence. Nem mesmo sua vida ou o que, com os contados centavos, conseguem comprar em infindáveis parcelas. O exército de pobres diabos é exatamente isso: pobres e diabos sujos e esfarrapados, que quando não estão vestidos com um uniforme de mal gosto estão vestidos de terno mal cortado ou vestido à brega.

O vivente da barra da manhã

 Ultimamente o sol nasce entre dizeres e brisas à rua. Às vezes com a presença de desvalidos sob marquises e, em outras vezes, com o caminhar lento de felinos perscrutando os resíduos da noite comercial anterior. Hoje mesmo, quando a barra da manhã já apresentava os sinais de um colorido primaveril e escorpiano, uma criatura mal-humorada rompeu pela rua, chutando o lixo, xingando os animais vagabundos, omitindo-se a saudações. Uma criatura que deve ter se revoltado com a cena matinal, nada explícita, menos ainda implícita. Talvez a revolta seja por uma vida inteira de trabalhos humilhantes e de um cotidiano mecânico, quadrado, ditado pelas convenções sociais e religiosas. Faltando-lhe carnes sobre os ossos, sobrando-lhe amargor, quem nunca foi, um dia, como tal vivente? Um dia qualquer. Uma manhã nascente não costumeira.  Sem sexo, sem explícitos, faltando implícitos - um dia na viada vida periférica que se acomoda entre quereres e transtornos.

Automediocrização humana

  É possível entender o medo das pessoas em relação à Inteligência Artificial. Capaz de criar imagens, escrever textos científicos referenciados, e escrever as citações na ordem em que surgem no texto, a Inteligência Artificial, já presentem em diversos sites tem se tornado uma ferramenta e uma ameaça àqueles que veem na facilidade das Máquinas um caminho sem esforço e sem dores de parto dos trabalhos, hoje humanos. A quem pertence os direitos autorais? Até onde vai a "criatividade" da Máquina? Até quando ser humano será necessário? Talvez a questão não seja onde o homem terá lugar. Mas até que ponto este se deixará mediocrizar pela Inteligência Artificial. Para exemplificar o que, para alguns, ainda não se situou nessa discussão, segue abaixo uma crônica escrita pela Inteligência Artificial. Julgue-a. "Era uma manhã ensolarada em São Cristóvão, uma pequena e charmosa cidade no estado de Sergipe. O céu azul contrastava com as casas coloridas e históricas da região, crian...