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Sexualmente plural

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  Photo: Vestido de noite/festa. The Met. Éramos três para uma.  Sem segredo, todos a devorávamos a qualquer hora, em qualquer lugar da casa, na frente dos demais.  Ele a possuía no balé selvagem do sexo em nossa frente, que observávamos - voyeur de momento.  Eu a subjugava, com as mãos na janela, observando e sendo observado pelos transeuntes e jogadores de futebol do terreno baldio do lado.  O outro a tinha entre envergonhados espaços temporais. Ela, longe de seviciada, adora ser possuída por diferentes falos, em diferentes momentos e, no entanto, ter o relacionamento plural e restrito. A casa era escura, um pouco suja, sempre desarrumada. Composta de quartos, janelas, portas, camas, chão, paredes, sexo, pessoas e só. Uma casa para sexo, não para relacionamento, que abrigava uma fêmea e seus machos, contados, sempre no cio.  Ela, descartável, sabia disso.  A nós, apenas a satisfação, o animalesco. A vida era isso, só isso. E estava tudo bem. 

Pequena crônica da vida

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Photo: Cena da Fazenda. V. Dijon. The Met.   As discussões inúteis tomam conta dos espaços, "cultos" e "ignorantes". As mesquinharias grassam em cada fresta e as pequenezes de pessoas vulgares pululam em cada esquina. Mortes diversas tornam-se nada mais que números políticos. A fome fica esquecida na mente dos entorpecidos pelo vício em aprovação alheia e virtual. E a vida vai seguindo em frente, do jeito que dá, nem sempre com a glória com que a pintam em livros e discursos religiosos. Porém, sempre em frente. Por enquanto essa vida não está em surtos de grávidas ou em festas, que sempre manifestam alegrias forçadas; está tímida, magra, andando entre ruas sem calçamento e em trabalhos indignos travestidos pela necessidade.  Essa vida que não pode esperar e nem cabe em rótulos está diminuída, mas não morta. Ainda. 

Derredor

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  Pintura: Everhard Jabach (1618–1695) e sua família. Charles Le Brun. The Meth.  Ao meu redor há pobreza, material, intelectual e espiritual. Ao meu redor há infectados por pestes. Ao meu redor há viciados na vida alheia. Ao meu redor há sujeiras morais e materiais. Ao meu redor há arredores cheios de vazios.  Uma ambiente lotado de pessoas esperando a morte com roupas vulgares e comentários pouco imaginativos. Pessoas que não mudam o repertório e as notícias, sempre requentadas pelos aparelhos de televisão e pelo disse-me-disse rueiro, em nada transformadas em criaturas interessantes ou apetitosas à terra.  Aqui dentro, com notícias novas vindos diretamente da União Europeia, do extremo Oriente ou dos desconhecidos nortistas americanos, há espaços ocupados, agrupados, arrumados, esperando só um movimento, um cataclismo autogerado que me tire do eixo e misture tudo, provocando mudanças e releituras. Aqui dentro não há muito. Há muito menos do que eu gostaria.  ...

A dança celeste

De repente, no raiar do dia, cedo como em todo verão, o tempo vira e nuvens de chumbo bloqueiam a luz  do sol. Rajadas de frio avançam sobre os desavisados. E, não mais que de repente, o céu se ilumina e tambores celestes anunciam a Sua chegada. Trovões avisam. Raios iluminam. Xangô passa em revista à tropa. Iansã cavalga à frente, na batalha da vida. Os desavisados temem. Os fiéis saúdam. E o exército de Suas Majestades prossegue.  O céu e a terra, juntos, estremecem. A dança nunca acaba. Os filhos, atentos e cheios de amor, dormem em tranquila harmonia com seus pais manifestos. 

Dois homens e um amor

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Quadro: Um Desfiladeiro nas Montanhas (Kauterskill Clove). Sanford Robinson Gifford. The Met.    Aquela linda canção do Cazuza cai como uma luva em um domingo de temperatura amena e muita preguiça. Afinal, quem nunca quis "(...) ter uma bomba Um flit paralisante qualquer" E aí você para para pensar que o amor vem dentro e fica preso sob a pele. Não sai por mais que se faça esforço, um imenso esforço, para mostrar que ele existe e está lá, pulsando, existindo.  "Mas no fundo eu nem ligo" E quem liga para o tic tac do tempo que se passou.  Há velhos temas em aberto. Há palavras que pairam como nuvens acima dos cabelos e em olhos brilhantes de fotografias de decênio.  Há amor lapidado entre outros braços, outras bocas, outras experiências. Há você. E você "(...)diz "já foi" e eu concordo contigo Você de perto eu penso em homicídio  Mas no fundo eu nem ligo Você sempre volta com as mesmas notícias.  A noite, enfim, chega.  E o Caju e eu parecemos velh...

Rascunho de uma missiva

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Obra: Road in Etten. Vincent van Gogh. The Met. Uma foto que você nem sabe que ainda tenho está sempre ao alcance dos meus olhos e protegida da curiosidade alheia.  Seus escritos, tão cheios de amor e carinho, resistiram aos anos e às mudanças. E estão perto, sempre perto, como o único tesouro que vale a pena todo e qualquer sacrifício.  Agora, enquanto a sensação térmica de 36°C me revira de um lado para o outro e a minha falta do que fazer me leva a inventar diversas formas de ser um Eu mais centrado, eu tenho você diante dos meus olhos, entre poesias, músicas, lembranças e momentos.  No entanto, nem tudo é bom. Há velhas culpas que só você pode varrer para a rua; há poeira sobre mim e que só você pode limpar.  O problema  é justamente esse: onde anda você.  O Estado dos Marechais, com todas as suas desgraças, te abriga. E parece tão longe, apesar de ser tão perto.  Nada mais importa e o meu tempo aqui finalmente está acabando. 

Minha Luz da Manhã

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Foto: Cabo Horn perto de Celilo. Carleton E. Watkins. The Met.   O caminho, até aqui, teve pedras, pedregulhos, rochas intransponíveis. Teve rosas evisceradas e lágrimas. Pessoas passaram e outras ficaram por um tempo. E sai experimentando, buscando colocar em seu espaço, de direito e de conquista, plásticos romances, vícios, solidões. Mesmo assim, nada foi suficiente para ocupar o seu lugar, mais de uma década depois; embora o meu lugar, efêmero desde sempre, foi ocupado, e espero que bem.  Suas palavras ainda são o farol em meio à neblina da minha vida.  Você ainda é o brilho dos meus olhos; a minha insegurança; o meu amor primeiro e mais puro. Minha luz da manhã!