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Entre camadas

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Foto: Queen Mother Pendant Mask: Iyoba. Met Museum Sob as várias camadas de padrões comportamentais exigidos no trabalho, na organização religiosa, nos círculos sociais físico e nos virtuais, quem é você? Quantas enfermidades, físicas e mentais, você desenvolve apenas por fingir, continuamente, ser quem não é? Seus preconceitos, suas vaidades, seus defeitos, suas idiossincrasias negativas, seu lado negativo, seus arremedos intelectuais, seu fascismo interior, seu nazismo cultural, sua cruzada pessoal em direção ao lugar seguro em que os horrores pensados podem ser verbalizados, sua projeção real distorcida e deformada é o que você é. Tudo isso é o que você é. Empurrar uma criança na rua que se joga ao chão fazendo birra, odiar os parentes velhos por toda uma vida de injúrias e opressões, orfanar-se de pais cruéis, detestar filho, desprezar animais, consumir como se não houvesse amanhã todos os bens úteis e inúteis possíveis, deixar-se viciar e ser viciado nos sexos, aduzir-se em pr...

Esperando o Diabo na segunda

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Obra: Bear Killing Bull. Antoine-Louis Barye. MET. É segunda-feira e eu espero que o Diabo católico me carregue enquanto eu durmo para poder olhar, seja lá de onde for, e poder dizer que acordei morto.  Espero que o Diabo me carregue atravessando a rodovia, com todo mundo vendo, em um espetáculo instagramável para que a passagem entre para os anais do imaginário popular por 5 minutos, enquanto o corpo arde no asfalto quente. Espero que o Diabo me leve enquanto aguardo para almoçar - por choque elétrico, surto de algum coleguinha desesperado, a queda do teto... Espero que, antes desse dia acabar, o Diabo me carregue e assim chegue a minha passagem para outro plano e depois para outro e para outro depois do próximo.  Espero mesmo sabendo que o Diabo não existe.

De verdade, muito se quer

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  Alison Saar,  High Cotton II , 2018. É fácil saber o que não precisamos - o corpo, as pedras da rua, a poeira sobre a lataria dos automóveis, os cabelos coloridos e crespos das pessoas berram a cada instante mostrando não apenas desagrado como também franco desarranjo da natureza do querer real que se refugia no íntimo. Não demora e o cansaço se faz presente, o malquerer dita as palavras e nenhuma boa vontade surge no horizonte das coisas que se deseja.  Agora estamos nós, lutando contra os poderes instituídos, esperando milagres intempestivos, como se não detivéssemos poder para sermos melhores ou ditarmos o fluxo dos acontecimentos que nos pilham a vida, o humor, o estado atual.  Nada mais nos importa. E, de novo, é hora de ir.  A lagoa secou. A vaca dá leite amargo. O milho não cresce. Nós definhamos aos poucos.  O pouco não nos encanta, assim.

Percorrendo a linha de mim

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  Bust of an Old Man Wearing a Fur Cap, Jan Lievens. MET. No passado corri léguas sob o sol por quem me jogava migalhas e feliz me encontrava - tantos traumas me açularam ao erro, à discordia, ao caminho longe de mim que hoje não mais percorro um metro por ninguém, às vezes nem por mim.  Agora sou esse - solitário perdido em meio a meus pensamentos mais banais, perdido na estrada da vida e sem saber para onde ir, apesar de saber com a máxima certeza que não vou seguindo ninguém, para nenhum lugar. Amanhã, quando eu acordar, vou saber que de todas as humilhações por que posso ter passado  nenhum remete-me à mendicância de afeto, de atenção, de carinho. Sim, pode faltar-me o alimento, o exercício físico, o teto, a cama, a cadeira, a fé; só não me falterei a mim.  Assim começa uma madrugada, aninhando um dia.  Assim prossegue minha vida. Assim eu sigo.

Comida de monstros

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Foto: Funerary relief. ca. 200–273. MET. "O infortúnio é múltiplo. A infelicidade, sobre a terra, multiforme."  Berenice Edgar Allan Poe  Procuramos infelicidade em tudo o que nos cerca, até mesmo nos momentos de felicidade e tranquilidade, porque não sabemos lidar com estas duas facetas da vida. Fomos talhados para a agonia, para o trágico, o drama, as ruindades do cotidiano. Se algo nos vai bem logo procuramos  um ponto sensível para sermos molestados por nosso próprio modus operandi de viver em estado de lágrimas.  Traições, palavras falsas e cruéis, pessoas a oprimir e sermos, por elas, oprimidos, escassez transformada em excesso - elementos de uma vida viciosa que nos espera a cada noite.  Somos seres mesquinhos com nossa própria alegria de bem estar e isso nos mata aos poucos, cada dia uma dose maior, cada hora um momento morto por nossas mãos assassinas de bons momentos. De repente isso é reflexo da doutrinação cristã que nos imprime à mente a ideia de qu...

A presunção da honestidade

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Foto: Helmet Mask (Temes Mbalmbal). Coleção Rockefeller. Séc. XX. Presumimos que a honestidade é inerente à nossa personalidade. Que somos tão dotados de princípios retos que somente o outro é corrupto. E o espelho não reflete nossas pequenas corrupções diárias. Somos desonestos, e sempre seremos, enquanto formos caracterizados como humanos. A humanidade, desde o seu surgimento, tem refinado a desonestidade e a corrupção de forma que o escândalo sempre faça parte do espetáculo, para testificar o trabalho bem-feito e a fama. Optar pelo apoio a indivíduos que notadamente pratica atos ilícitos, independente do grau, também configura ato ilícito por omissão e isso é pior que o praticante do ato desonesto e ilícito original. Consentir que a corrupção prossiga, sem tentar barrar-lhe o caminho, é tão vergonhoso quanto estuprar alguém. A corrupção é um estupro moral e ético. Todos, sem exceções, somos desonestos em algum tipo de grau. O que torna uma pessoa pior que outra é a per...