Crônica de uma vida insuficiente XXIII
O chão da sala amanheceu com os resquícios do amor saboroso e com a história dos viventes contados pelo lixo comum. Fios de cabelo, pelos brancos e pretos, algodão e forma de disco, palitos de fósforo, tiras de sacolas plásticas. Esse chão já viu dias piores. Lágrimas, brigas, desentendimentos, restos de comida, esperança e desespero. E se ainda resiste é porque resiste também a fé humana em pessoas, mais nas mortas que nas vivas.
A cama continua bagunçada e o feijão preto está no fogo, cozinhando também o tempo.
A vida é isso. Não apenas isso, mas isso também.
A vida está nos pesos que arrastamos de um lado para outro, nos momentos inexpressivos, nos sonhos refeitos, nas reclamações, no bofe revirado pela intolerância.
A pia está quase limpa. E mesmo tendo visto dias melhores, apoio para um fogareiro de duas bocas, vai ficar para trás, como testemunha do pedaço de vida que termina aqui, em mais uma história que prossegue sem tempo para cuidados desnecessários com o que é alheio.
Os tênis estão na porta esperando.
É hora.
Comentários
Postar um comentário
Após análise, seu comentário poderá ser postado!