Paixão (?) a qualquer custo

CRISTO


Tu nos dividiste,
A tua chegada
precipitou
a agonia.

Chegaste,
o coração saindo
de um fulgor invisível.
Era cedo, tarde.

O mundo acelerou
sua agonia. As
passadas iam
e voltavam.

Tu nos dividiste.
Tem o amor
estigma, cicatriz
fenecida?

Tem sinais
cambaleantes?
Dividiste
a agonia.

(Carlos Nejar, In Os Viventes, pág.71-72.)


A sexta-feira corre com o sangue do homem que despencou da horrorosa estátua do Cristo do Goiti. O vivente deixou esse mundo com a indignidade do medo de cair de uns vinte metros no alto da mais alta serra de Palmeira dos Índios. Executando um serviço a mando da Prefeitura Municipal, sem Equipamento de Proteção Individual e sem quaisquer outros auxílios de socorro e prevenção de acidentes, o homem encontrou a morte no mesmo dia, representativo, em que Jesus sangrou por todos os poros e sofreu pelos pecados de toda a humanidade, pelos nascido antes Dele, pelos contemporâneos Dele e pelas gerações que surgiriam dali em diante. 
O sangue do homem, nas mãos do Governo Municipal negligente e da população omissa, foi misturado à terra onde, ironicamente, o Salvador do mundo foi representado por um qualquer na tal "Paixão de Cristo".
O corpo foi removido com urgência para que o espetáculo circense tivesse início sem atraso.  A estátua idólatra teve sua pá de cal jogada sobre a  própria cabeça e a escadaria de acesso. E o povo, sem questionamentos e sem remorso por pisar sobre o sangue e a morte à toa do indígena. Não houve abertura de inquérito para apurar as causas reais da queda e, tal qual Adão, o Indígena fatura o ônus da queda  da morte física.
Jesus, o Cristo, representado milhões de vezes, inclusive no pé da mesma estátua do ocorrido, deve estar olhando atentamente para a multidão que fingi relembrar Seu sacrifício mas que é incapaz de exercer a caridade sobre o homem, não apenas o acidentado.
Assim caminha o nosso escárnio particular da figura e sacrifício do Cristo.

Foto: O pintor que morreu, minutos antes d cair da estátua. Fonte: Imagem da Internet.

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