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Carta aberta

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Bovinamente demente

A vaca, ruminando intrigas, perseguindo pobres criaturas indefesas, estava calada. Constrangida por sua incapacidade reprodutiva, pela sua obsolescência ante as novilhas, a vaca desesperou-se. Mugiu, correu, destruiu a cerca, correu atrás das crianças humanas, mugiu, mugiu e mugiu de novo e ninguém deu-lhe atenção. Seus métodos já não causam mais efeitos. Seu couro, já envelhecendo, estragado pela alimentação e quase sem utilidade, evidenciava o quão pobre se tornou. O pasto, verdejante, já não podia dar-lhe prazer. Os touros que tentou conquistar já não a querem e o seu fim, por completa inutilidade, era o abatedouro. A construção simples onde se faz o abate já estava pronta – construção especialmente preparada para o fim dos retalhos bovinos de inúteis como ela. Num fim de tarde belo, quando o cheiro do pasto verde confundia-se com os tons alaranjados ...

Senilidade "respeitável"

Almejava ser respeitável. Com a velhice tendo lambido-lhe a face, encurvado as costas e tirado a visão, ela cria ser respeitável. Ledo engano. O tempo em que o único pré-requisito para adquirir a respeitabilidade era a senilidade acabara há muito – antes mesmo dos escândalos que expuseram os vícios e as atrocidades que os velhos (alguns) cometem contra crianças, adultos e outros senis. Restou-lhe, depois de tantos escândalos, conviver com a própria infertilidade, de onde a solidão brota e a enlouquece. O dinheiro que tão tacanhamente guardou, esquivando-se de pedintes e vendendo-se por parcos e vis centavos, não pode comprar-lhe companhia quando a doença atacou-lhe. E nem pode aplacar-lhe a amargura e o remorso quando, na noite, sua consciência pesou. Tarde, muito tarde, percebeu que não possuía nada – nem o respeito, nem a decência, nem uma diminuta companhia. A morte...

Nossa liberdade

Andamos frouxos! Diante das possibilidades que nos são colocadas diariamente optamos por preferir seguir a massa impensante dos nossos “iguais” a ousar pensar, escolher, preterir o igual, que a todos agrada e entretém. Não somos obrigados a aceitar passivamente a privação da nossa liberdade individual, que só pode ser efetivamente aproveitada no recônditos da nossa mente. O livre pensamento e a especulação acerca dos fatos da vida a partir dos nossos pontos de vista e das nossas concepções são nossa maior arma contra a bestialidade coletivamente aceita de que é possível mandar no pensamento alheio e ser cegamente obedecido. Somos as próprias possibilidades, livres por natureza e capazes de feitos, ainda que aparentemente insignificantes ao mundo. O que nos falta apenas é o pensar. Pensar com eficiência e eficácia.

O silêncio dos depravados

O silêncio, embora argumente-se que é sábio, também serve aos covardes, facínoras e corruptos. Um covarde, que atua sempre a portas fechadas, longe do escrutínio popular e da ética, busca o silêncio para se “resguardar” da justiça quando pego em flagrante delito. Por falar nisso, andamos em tempo em os inocentes são perseguidos, hostilizados, ridicularizados por não aceitarem vis esquemas que, entre outras atrocidades, existem para suprir egos e vaidades fragilizadas e quebradiças. O silêncio esconde a lama que corre em veias de corpos retocados por uma decência maleável e adaptável aos perversos interesses de mentes depravadas. Um dia esse silêncio acaba, as máscaras caem e a verdade surge – para vergonha desses que aí estão.

Um fim abominável

Quando se acaba um relacionamento, às vezes, um dos envolvidos tem a petulância de desejar felicidades “nessa nova etapa”. É o “seja feliz” mais hipócrita dito na hora mais inoportuna que se pode conceber. Depois do choro, do ranger de dentes, da raiva e das conjecturas e da consequente aceitação, vem a vigília nas redes sociais – sempre muito atento(a) a fotos, viagens e opiniões. A efêmera busca por indiretas respondíveis. Um dia, sempre nessa caçada, um ou outro fica feliz, sacode a poeira do passado e vai seguindo em frente. Um dos dois, sem perder nenhum detalhe da vida alheia, busca brechas que confirmem uma pseudo tristeza disfarçada ou uma pseudo dor de cotovelo latente. A pessoa que seguiu em frente, que também viveu os mesmos passos que a outra e que conseguiu simplesmente deixar para lá a bobagem que é sofrer por um “amor” abortado só pode esf...

Palavras não bastam

João Cabral de Melo Neto tem razão – a vida não se resolve com palavras. É preciso atos, fracassos, vitórias, enganos e desenganos. Quando a gente junta tudo isso é reconhece que errou, caiu, sofreu escoriações e quase morreu é que se começa a entender que viver está além das definições. Não é essa coisa que se encontra definida em livros de autoajuda e também não é apenas na Bíblia que se encontra a fórmula, ainda que imperfeita, desse ato involuntário, mas arbitrariamente escolhido, que é viver. Palavras e pensamentos são essenciais porque antecedem os atos, que depois se transforma em momentos intensos ou loucos e, depois, em história pessoal e particular. As palavras embelezam, traduzem e encantam. E só. Viver exige coragem. É isso que falta para que a gente seja real.