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Intocado*

Entra com a serra E a pena arrancada Da ave barreada Do ribeirão Adentra nos matos Cortados, danados, da mata curva Com a mão calosa do trabalho Duro, firme, de cortar esses caules Sente o ar fechado A terra virgem em queima De fogo brando Inundada de espécies cortadas Mesmo vendo tão intocado lugar Entra e chama os serrotes vorazes Acaba com sensatez Na matança de vida. *Poema do livro   Anjo da Guarda , de Rafael Rodrigo Marajá.

A negra

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A negra tirou o short e deitou na cama. Seu cabelo cacheado cascateava pelos ombros. Seu corpo, negro, firme, rijo, acomodou-se ao colchão. Ela tinha o suor da caminhada. Tinha o cheiro do viço. Debrucei-me sobre ela, beijando-lhe as coxas, chupando-lhe a pele e sentindo seu calor.  Deitada de bruços, ela arrepiava-se ao toque da minha língua. Seu calor, seus gemidos, aumentavam à medida que subia-lhe pelas curvas das cochas e encontrava sua bunda, seus pelos arrepiados. Ali o negrume tinha a cor de âmbar, e olhando-a assim, aquela bunda arrepiada, firme, o sangue afluía-me pelos dedos, pelas veias, aquecendo-me as faces, as mãos, o baixo ventre. Ali entre as nádegas, grandes, seu suor embriagava-me de desejo e, lambendo-lhe, sorvendo seu suor, descendo a língua entre suas nádegas, sentia-me possuído pelas forças mais insanas da carne. Ela inquietava-se à medida que lhe lambia, que minha língua percorria por entre suas nádegas em direção àquele calor, àquele cheiro, àquele...

Partido*

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Foto: View on the Columbia, Cascades. Carleton E. Watkins. O frio nos corpos soltos A fome devora os solitários A Luz contorna a escuridão Na partida acabada Acaba a partida no início Antes da consumação Na hora da solidão Alguns voltam ao seio deixado Outros soltos ficam Tantos ainda não mais aparecem E quando quiser poderá chamar Na calada da noite Na borda da cama Aquele a quem precisar. *Poema do livro   Anjo da Guarda , de Rafael Rodrigo Marajá.

Todo corpo é perfeito

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As dietas existem para acorrentar as mulheres à  vão expectativa de que os homens e as outras mulheres gostam de ver um corpo magro. A indústria da moda tem sua parcela de culpa. Os preconceitos também. E quando observamos as relações na prática o que vemos é que as ditas gordinhas saem ganhando. E digo ditas gordinhas e ainda assim acredito ser um termo injusto. Mulheres com seios fartos e bundas redondas e avantajadas, ou até mesmo nem tanto assim, já são classificadas como gordinhas. Gordinhas são bonitas. Não gordinhas também. Outro dia, saindo do mar da praia de Atalaia, em Aracaju, me deparei com uma surfista de atributos fartos e brasileiramente linda. Saía do mar carregando a prancha de surf, preocupada com a hora e, ao sol do fim de tarde, representava muito bem essas paixões fulminantes que nos abate e nos consome à beira-mar e que deixa o desejo e a lembrança do querer sempre mais.  Ela passou, falou, sorriu e foi embora. Eu segui o meu caminho. E e...

Lembrança*

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Pintura: Lilacs in a Window. Mary Cassatt.  O que dirá você Que se foi para a terra, Longe como o sem fim Do meu samba? O que falará do eu Calibre nas rodas e bamba No seu novo tempo Longe de mim? Citará sua farra Embebida no doce da noite Ou no salgado do dia esquecerá O meu canto secreto? *Poema do livro   Anjo da Guarda , de Rafael Rodrigo Marajá.

Reflexão do amor que fica

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Imagem: Mountain Stream. John Singer Sargent. Não acredito que exista um dia dos namorados, nem dos solteiros, nem dos deixados. Existe saudade que se transforma em lágrimas; amor que se guarda sob camadas de uma raiva indecente; lembranças que se misturam à fantasia do cotidiano.  Certa vez alguém me disse que o amor não acabava - só mudava. E na mudança ele se feria, se magoava, revirava-se, caía e levantava. Ela disse que o amor não ia embora de jeito nenhum. Ela foi. Engraçada essa ideia de que a pessoa vai embora e o amor não. Até hoje não sei se ela tinha razão - aquela raiva indecente encobriu e embotou a razão de nós dois muito tempo depois da partida. Aliás, ninguém parte de verdade, completamente. Daí acho estranho quando as pessoas gastam o dinheiro que não têm, viajam horas e esperam tantas outras horas em rodoviárias e  aeroportos, com presentes (e sendo o próprio presente), só para mostrar o quanto amam a outra pessoa. É estranho porque na ...

Tudo está bem*

Tudo bem se falar não quer Tudo bem se olhar não satisfaz Tudo bem se o sono não faz No sono pegar e no sonho esquecer Tudo bem se fez Tudo bem se não quer Tudo bem se não deseja Desejar de novo A mistura de sons faz Do alto de si Perder-se no abismo inglório Da glória pretendida Tudo bem se não quer Tudo bem se não faz mais Questão de ver E falar apressadamente Amanhã será o seu dia O dia nascerá Envelhecerá os rostos Queimará peles Matará outros tantos Mas tudo bem se não quer mais. *Poema do livro   Anjo da Guarda , de Rafael Rodrigo Marajá.