A presunção do amor
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Pintura: Nude with oranges. Henri Matisse. 1951. |
Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que temido ou temido que amado. Responde-se que ambas as coisas seriam de desejar; mas porque é difícil juntá-las, é muito mais seguro ser temido que amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos homens se pode dizer, duma maneira geral, que são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de lucro, e enquanto lhes fazes bem são inteiramente teus, oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos, quando, como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele chega, revoltam-se.MAQUIAVEL, N. O príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.
A presunção do amor é crer que todos são obrigados a amar - amar as idiossincrasias alheias; amar a corrupção justificada do outro; amar as falhas dos relacionamentos.
Ninguém ama verdadeiramente outra pessoa a ponto de relevar e justificar repetidamente as falhas e as fraquezas de outra pessoa. Ninguém gosta de pessoas fracas.
E o ápice do amor é atingido na tentativa vã de mudar outra pessoa.
O amor é indefensável e é do medo que ele surge. O medo, mais eficiente que o amor, mantém nosso sistema de governo, nossos relacionamentos, nossa vã religião. O medo move a indústria e supre nossos desejos de consumo. O medo, no cerne da questão, é a força motriz dos casamentos, da amizade e da lealdade.
Temos medo da solidão. Medo de que, só, a realidade nos arremate para o centro das verdades irrefutáveis e mostre-nos que o niilismo pode ser verdade. O homem tem em sua constituição a crise moral e a crise de identidade como fatores determinantes de atitudes - e são elas mesmas frutos e geradoras do medo.
É melhor, sempre, ser temido.
Não conheço ninguém que tenha dito que viveu toda a vida à base de amor. Mas conheço vários exemplos, famosos ou não, fictícios ou não, que viveram e se imortalizaram pelo exercício do medo, sobre si e sobre outrem.
Os cartéis colombianos e mexicanos, as máfias italiana, japonesa e norte-americana, os políticos brasileiros e a mídia - todos usam o medo para confirmar seu poder e crescer.
O amor, uma fantasia ideal para breves momentos de epifania, como o prazer, é restrito e limita-se sempre ao querer do outro. O medo, sincero e desbravador, não.
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