Santo Apocalipse Zumbi

Quando eu era uma criança, há não muito tempo atrás, todo domingo tinha que acordar cedo, caminhar um bocado e ir ouvir a opinião do então Padre Francisco sobre como a vida tinha que ser. E mesmo não gostando nem dele, nem dos seus pontos de vista, fui igualmente obrigado a me preparar para ser canibal de um Deus-Filho cruel e vingativo que o Padre Francisco pregava. 
Ninguém me perguntou se eu queria comer a carne ressurreta desse Ser. E nem via, ainda hoje não vejo, a necessidade de 'comer da Sua carne e beber do Seu sangue'. Sempre achei essa história estranha e descabida. Mas fui lá e fiz. A iniciação começou e terminou com a frustração da falta da visita desse Deus-Filho e de qualquer outro. E dei graças a isso - se já era cruel e insano no passado, como pregavam na escola dominical, imagine o que faria com um ser rebelde como eu!?
Pois bem, nunca mais pisei numa igreja, não com o intuito de ser idólatra desses Deuses Cristãos.
Com o tempo vi as pessoas deixarem o canibalismo dominical para a busca pela cura imediata e pela procura de bens materiais (todo mundo quer carro e grana, amor arrependido e os inimigos caídos por terra - desejos muito parecidos com aqueles pedidos aos orixás) e, indo aos cultos à noite, as manhãs ficaram ainda mais insuportáveis, uma vez que o forró, o brega e a swingueira acachapantes ferem os ouvidos e os céus até a hora de virar santos, ato noturno.
Igrejas de várias denominações pululam a cada esquina, cada uma com seus Deuses, de milagres específicos e dias marcados. E como antes, na infância, em mais um domingo, fico sem saber se é um castigo ou uma das pragas não mencionadas do Egito ter tantos Deuses e especialistas em Suas palavras. 
E, na dúvida, tento dormir o máximo que posso por que se o mundo lotar de ganhadores da mega-sena e carros de luxo, sadios que buscam doenças para serem vitimados por milagres e os canibais saírem às ruas como espadas santas, eu quero estar bem descansado para correr rápido para longe da histeria. 
E, enquanto isso não acontece, vou passando sem fazer barulho nas calçadas santas, para viver muito e não receber o Apocalipse Zumbi, que ouvi ser anunciado outro dia de domingo por um certo homem santo.



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