O terrível
Quando o dia vai esfriando e enegrecendo vão aparecendo os fantasmas de uma vida estranhamente ocupada demais - vazia demais, infeliz demais, solitária demais. E vai caindo, o dia. A luz dando lugar a sombras. Os amantes refugiando-se em pequenos ângulos. Portas fechando-se. Televisores sendo ligados. Cuscuzeiros esquentando em fogões, quase todos. E a vida sendo desocupada, revelando a crueldade e a inexorável verdade. Há quem jante em restaurante, falando de trabalho, com colegas de trabalho, como se pudesse estender o dia e as horas de estresse para espantar o terrível. Há quem compre cerveja e convoque os colegas para "divertirem--se", em conversas estéreis, até a cerveja acabar. Há quem nem em casa chega, nunca. Daí a pouco o dia nasce. Os cuscuzeiros voltam aos fogões e olhos cansados não de veem nos espelhos mofados de banheiros tantos. Nascendo, com uma luz forte, o dia esconde os escombros do terrível, do vazio.