A fé acima de tudo





A Sociedade é um aglomerado de indivíduos, unidos por laços comunitários com comunicação irreversivelmente entrelaçados pela necessidade de convivência entre si. Toda essa relação humana subdivide-se em micros núcleos de elementos emocionais fundamentando toda e qualquer interação homem-homem e homem-mundo de forma a garantir a expectativa de compreensão emocional e intelectual de seus atos bons, maus e alienáveis.
Dessa maneira, nossa sociedade mescla-se aos sentimentos religiosos como única forma de justificar ou condenar os acontecimentos passados, presentes e futuros com o0 intuito único de procurar o paraíso e junto com ele a vida eterna. O problema surge exatamente nessa busca, que, em muitos casos, torna-se incessante e desmedida a ponto de matar em do Pai e ser morto em nome da insanidade religiosa de um homem.
A religião é a característica, dizem, mais nobre de indivíduo sociável porque a partir dela a índole desse indivíduo é moldada e modificada com o aprimoramento das verdades irrefutáveis da crendice dos representantes de Deus tanto no protestantismo como no catolicismo. É verdade dogmática também, mas não aceita facilmente ou simplesmente não admitida, que em nome de um ideal religioso os homens devem perecer morrer de forma brutal ou apenas nascer, pois tudo é culpa do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Contudo, deve-se notar que até mesmo o ato de nascer é um castigo e em determinados ocasiões uma forma de vivenciar o purgatório terrestre de crueldade e infernais experiências para espíritos que nunca tenha vindo para o plano terrestre. Nascer significa a impotência humana em criar com perfeição e ao mesmo tempo a capacidade dessa mesma humanidade em esquecer sobre o outro o domínio religioso, emocional e intelectual.
Brasileiramente falando, a fé é a causa mais viva, e não de passagem, da desgraça dos nordestinos do passado e do presente, mas poderá não ser dos retirantes do futuro. Em nome da religião, e não de Deus, a morte chega avassaladora nos recantos secos desse nordeste árido, transforma o elemento natural homem em parte integrante da paisagem, da caatinga e da falta de água e de comida. Esse elemento dá vazão ao arcadismo dos sentimentos porque nos extremos do limite de sua capacidade, o estado é incapaz de ressarcir-lhe de suas necessidades perdidas, a família coadjuva no cenário seco e a única coisa que resta é-lhes usurpada e explorada como mercadoria.
Foto: imagem da internet
Na seca a lei é sobreviver a cada dia como se o último já estivesse chegado e a morte esquecido-se de levá-lo. Porém, se a vida se resume apenas nos verbos de atuante ligação entre o clima e o sobrenatural então não entendemos o real sentido do nordeste-sertão-agreste-litoral.  O mandacaru presente em praticamente todo o percurso dispõe de sensatez para florar quando a chuva despenca do alto compadecimento dos céus e apenas viver durante a estiagem de sua terra. Não é, portanto, uma questão apenas de fé ou de descrença, mas de lutar todos os dias uma batalha insuperavelmente grande e incomparavelmente muito maior que a I e II Guerras Mundiais. 
Em batalhas mundiais a morte chega devorando tudo o que encontra sem deixar vazão para o amanhã, destruindo a crença e a perseverança do povo em prol de bel querer e prazer. Neste outro tipo ela não chega e se sofrer é escolha o povo pede para o mandacaru despejar sobre os seus olhos a beleza rara dos sertões.
Assim como o litoral de um país continental enquadrifica o cruzeiro do sul em uma moldura de aparente desenvolvimento, o homem desprende da fachada seca em busca do Belo Monte brasileiro que no meio do nada surge como a Canaã do Ocidente despontando como uma afronta a sua excelência o Presidente da Republica.
Batalhas são sempre batalhas, prostíbulos será sempre o templo dos prazeres e dos vícios em qualquer lugar, mas o desengano de viver é único e individual para cada vivente. Em canudos mulheres submissas foram violentadas, abusadas e destruídas de melhor forma que alguém poderia fazer: condenando-as a uma vida de miséria, mentira e seca. 
A submissão dessas mulheres afrontaria o bom senso dos nobres políticos-coronéis que do alto de seus altares oprimia o nordeste em nome do bem e da razão. Contudo, se mentir é um pecado tão grave, viver em osmose intelectual significar reduzir-se à lama da aridez.
Antonio Conselheiro tornou-se um déspota decaído com osmóticos seguidores, suicidas de grande potencial que em prol do bem vindouro arrisca o próprio sangue na defesa de uma utopia adequando à realidade a ironia de seca no oceano de verdades. Aos filhos do nordeste, “cabras” e mulheres da peste, resta apenas o nada, pois se nascem sem a perspectiva de viver morrer por uma causa “nobre” é a felicidade encontrada no xiquexique.
 Dor é escola desmedida e desenfreada do nosso mundinho seco, da nossa vida desgraçada e das entrelinhas nunca vencidas. Munição vai e vem de um sem fim crepusculoso e que atormenta a vida dos combatentes e dos combatidos. A certeza de estar certo em aventuras quixoteanas torna o povo sofrido em sociedade.
O estado é sempre certo e se não fosse seria Antonio, o Pai dos pobres e oprimidos dessa caatinga baiana, mas seria também pernambucana, alagoana ou piauiense se tivessem deixado. Viver sem é, na maioria das vezes, a melhor saída da alienação dos podres tentáculos dos desvairados da fé.
Ao cabaré rendam-se os que não conseguem derrotar o inimigo porque encontrará a filha do seu oponente que na malícia de ser o que nunca poderia ter sido, obstrui os canais de comunicação remexendo na vida de uns sem teto. No nordeste os prostíbulos evoluíram, cresceram desmedidamente através dos anos e deu a canudos o charme do único amor que se poderia adquirir na batalha da fé.  
As serventes do sexo nunca deram a oportunidade de falar tampouco de ser o que a realidade lhes permitia. Ser a outra já que a arma era a esposa era o artigo primeiro da lei dos republicanos e o mandamento único da peste que acometia os “cabras” desse canudo. Foram as filhas que nunca existiram, as esposas que nunca tinham nascido e as prostitutas mais fiéis do Belo Monte.
Desprezando os radicalismos e o orgulho ferido de mulher desamada pela família, salvo sua genitora, era a figura obscena do realismo da época e das circunstancias. Vítimas de uma religião ignorante e incrédula de suas próprias doutrinas feriram e desferiram em seus oponentes o que podiam e deviam para ressaltar sua personalidade banalizada. 
Belo Monte, a salvação dos ingênuos surpreendeu pela sua força, destreza e perseverança e teria sido a continuação de uma fé senão tivesse sido a sepultura dos filhos, da fé e da dignidade racional dos seguidores de Conselheiro. Contudo, não podemos condenar o principiante dessa revolta cultural, pois se os Antônios dessem conselhos aos oprimidos e secantes do nordeste Belos Montes seriam edificados, prostíbulos criados, filhos mortos e marginalizados.
Se a religião fosse a verdade absoluta do universo então para que entrelaçar Deus em nome da fé e da guerra?



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