Crônica de uma vida insuficiente XI
Quando passo horas olhando ao redor, geralmente em decorrência da explicável ineficiência do transporte público, percebo facilmente as vidas que escorrem na escravidão de empregos alheios às necessidades mais básicas do ser humano. Vejo homens de olhares cansados que creem ter que vender sua vida por um salário mínimo corroído porque disseram, com o poder da publicidade e propaganda popular, que sem um automóvel eles não seriam ninguém. Vejo mulheres exaustas da vida que lhes entregaram e cujo único proveito é a concessão de respirar e ingerir uma má alimentação pela boa vontade da opinião pública, sempre cruel. Vejo crianças vindo do shopping com caixas de bombons nas mãos, em cujo interior está o que sobra de suas infâncias em constante perdição. O que vejo é óbvio e não fosse a cegueira, prima-irmã da covardia, todos deixariam a futilidade de uma vida escrava do consumo e iria para casa, viver.