Largo de Santana

Tenho vontade de sentar no Largo de Santana, observar os trabalhadores que todos os dias movimentam as ruas estreitas do centro da cidade e pensar e observar.
Sim, só pensar e observar o vai-e-vem de pessoas que, como eu, carregam problemas, aflições,  desejos e desamparos. De tanto querer estar leve somos pesos que se arrastam pelo Largo esperando o dia acabar. Esperando poder deixar de ser por poucas horas.
Em minhas mãos há sacolas cujo peso da inflação aperta minha conta, mas que nem ofende meus dedos. Em minha mente há pódios não alcançados na luta mensal por chegar lá. 
Lá! 
O lugar que queremos estar para ganhar mais dinheiro e que sabemos, sem dúvidas, que é hostil por natureza. Pensamos que lá será bom. Será? 
Eu sei que um dia esses ciclos de hoje que me trouxeram até esse Largo serão encerrados. E nada poderá impedir isso. E é um consolo.
Não posso parar para sentar, não posso pensar e nem me demorar. O Largo é lar de movimentos e fazeres.
E o que me consola são as palavras de Sophia:

Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.


– Sophia de Mello Breyner Andresen, do livro “Coral e Outros Poemas” [seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz]. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.


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