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Mostrando postagens de janeiro, 2022

Sexualmente plural

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  Photo: Vestido de noite/festa. The Met. Éramos três para uma.  Sem segredo, todos a devorávamos a qualquer hora, em qualquer lugar da casa, na frente dos demais.  Ele a possuía no balé selvagem do sexo em nossa frente, que observávamos - voyeur de momento.  Eu a subjugava, com as mãos na janela, observando e sendo observado pelos transeuntes e jogadores de futebol do terreno baldio do lado.  O outro a tinha entre envergonhados espaços temporais. Ela, longe de seviciada, adora ser possuída por diferentes falos, em diferentes momentos e, no entanto, ter o relacionamento plural e restrito. A casa era escura, um pouco suja, sempre desarrumada. Composta de quartos, janelas, portas, camas, chão, paredes, sexo, pessoas e só. Uma casa para sexo, não para relacionamento, que abrigava uma fêmea e seus machos, contados, sempre no cio.  Ela, descartável, sabia disso.  A nós, apenas a satisfação, o animalesco. A vida era isso, só isso. E estava tudo bem. 

Pequena crônica da vida

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Photo: Cena da Fazenda. V. Dijon. The Met.   As discussões inúteis tomam conta dos espaços, "cultos" e "ignorantes". As mesquinharias grassam em cada fresta e as pequenezes de pessoas vulgares pululam em cada esquina. Mortes diversas tornam-se nada mais que números políticos. A fome fica esquecida na mente dos entorpecidos pelo vício em aprovação alheia e virtual. E a vida vai seguindo em frente, do jeito que dá, nem sempre com a glória com que a pintam em livros e discursos religiosos. Porém, sempre em frente. Por enquanto essa vida não está em surtos de grávidas ou em festas, que sempre manifestam alegrias forçadas; está tímida, magra, andando entre ruas sem calçamento e em trabalhos indignos travestidos pela necessidade.  Essa vida que não pode esperar e nem cabe em rótulos está diminuída, mas não morta. Ainda. 

Derredor

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  Pintura: Everhard Jabach (1618–1695) e sua família. Charles Le Brun. The Meth.  Ao meu redor há pobreza, material, intelectual e espiritual. Ao meu redor há infectados por pestes. Ao meu redor há viciados na vida alheia. Ao meu redor há sujeiras morais e materiais. Ao meu redor há arredores cheios de vazios.  Uma ambiente lotado de pessoas esperando a morte com roupas vulgares e comentários pouco imaginativos. Pessoas que não mudam o repertório e as notícias, sempre requentadas pelos aparelhos de televisão e pelo disse-me-disse rueiro, em nada transformadas em criaturas interessantes ou apetitosas à terra.  Aqui dentro, com notícias novas vindos diretamente da União Europeia, do extremo Oriente ou dos desconhecidos nortistas americanos, há espaços ocupados, agrupados, arrumados, esperando só um movimento, um cataclismo autogerado que me tire do eixo e misture tudo, provocando mudanças e releituras. Aqui dentro não há muito. Há muito menos do que eu gostaria.  ...

A dança celeste

De repente, no raiar do dia, cedo como em todo verão, o tempo vira e nuvens de chumbo bloqueiam a luz  do sol. Rajadas de frio avançam sobre os desavisados. E, não mais que de repente, o céu se ilumina e tambores celestes anunciam a Sua chegada. Trovões avisam. Raios iluminam. Xangô passa em revista à tropa. Iansã cavalga à frente, na batalha da vida. Os desavisados temem. Os fiéis saúdam. E o exército de Suas Majestades prossegue.  O céu e a terra, juntos, estremecem. A dança nunca acaba. Os filhos, atentos e cheios de amor, dormem em tranquila harmonia com seus pais manifestos. 

Dois homens e um amor

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Quadro: Um Desfiladeiro nas Montanhas (Kauterskill Clove). Sanford Robinson Gifford. The Met.    Aquela linda canção do Cazuza cai como uma luva em um domingo de temperatura amena e muita preguiça. Afinal, quem nunca quis "(...) ter uma bomba Um flit paralisante qualquer" E aí você para para pensar que o amor vem dentro e fica preso sob a pele. Não sai por mais que se faça esforço, um imenso esforço, para mostrar que ele existe e está lá, pulsando, existindo.  "Mas no fundo eu nem ligo" E quem liga para o tic tac do tempo que se passou.  Há velhos temas em aberto. Há palavras que pairam como nuvens acima dos cabelos e em olhos brilhantes de fotografias de decênio.  Há amor lapidado entre outros braços, outras bocas, outras experiências. Há você. E você "(...)diz "já foi" e eu concordo contigo Você de perto eu penso em homicídio  Mas no fundo eu nem ligo Você sempre volta com as mesmas notícias.  A noite, enfim, chega.  E o Caju e eu parecemos velh...

Rascunho de uma missiva

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Obra: Road in Etten. Vincent van Gogh. The Met. Uma foto que você nem sabe que ainda tenho está sempre ao alcance dos meus olhos e protegida da curiosidade alheia.  Seus escritos, tão cheios de amor e carinho, resistiram aos anos e às mudanças. E estão perto, sempre perto, como o único tesouro que vale a pena todo e qualquer sacrifício.  Agora, enquanto a sensação térmica de 36°C me revira de um lado para o outro e a minha falta do que fazer me leva a inventar diversas formas de ser um Eu mais centrado, eu tenho você diante dos meus olhos, entre poesias, músicas, lembranças e momentos.  No entanto, nem tudo é bom. Há velhas culpas que só você pode varrer para a rua; há poeira sobre mim e que só você pode limpar.  O problema  é justamente esse: onde anda você.  O Estado dos Marechais, com todas as suas desgraças, te abriga. E parece tão longe, apesar de ser tão perto.  Nada mais importa e o meu tempo aqui finalmente está acabando. 

Minha Luz da Manhã

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Foto: Cabo Horn perto de Celilo. Carleton E. Watkins. The Met.   O caminho, até aqui, teve pedras, pedregulhos, rochas intransponíveis. Teve rosas evisceradas e lágrimas. Pessoas passaram e outras ficaram por um tempo. E sai experimentando, buscando colocar em seu espaço, de direito e de conquista, plásticos romances, vícios, solidões. Mesmo assim, nada foi suficiente para ocupar o seu lugar, mais de uma década depois; embora o meu lugar, efêmero desde sempre, foi ocupado, e espero que bem.  Suas palavras ainda são o farol em meio à neblina da minha vida.  Você ainda é o brilho dos meus olhos; a minha insegurança; o meu amor primeiro e mais puro. Minha luz da manhã!

Do Caçador à Caça - Okê Arô

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Pintura: Vista no Catskill—Início do Outono. Thomas Cole. The Met.   Dia de Oxóssi, Senhor de toda caça. E, por um momento, pensei ter ouvido um barulho no céu, embora limpo e de sol a pino. Assim, pela primeira vez depois de meses, fiz a carne de soja que ganhei da vizinha alguns meses atrás. Fui juntando os temperos industrializados com um tempo arbitrário e, no fim, deu tudo certo. Ficou com o gosto característico de comida ruim que aprendi a fazer nos últimos tempos.    Comida ruim. Mal cozinheiro ou nunca fui nem razoável cozinheiro? A sorte é que Oxóssi nunca me pediu para cozinhar a caça porque a vergonha que eu passaria não está na história do Aiyê.  À parte meus dotes culinários e embalado com uma brisa fresca, reflexões povoaram meu ori com extrema força, pois: O que vale a pena?  Essa é a pergunta difícil quando não se tem para onde ir, como ir, com o que se tem e como se pode obter.  Oxóssi me anda fazendo pensar e isso é a flecha que me impulsi...

Sol em Aquário

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Óleo sobre tela:: Daniel Crommelin Verplanck. John Singleton Copley. The Met. O sol está posicionado em Aquário, a constelação responsável pelas pessoas mais sem coração do zodíaco - segundo dizem.  Em pleno verão, com o Sol aquariano a brilhar no céu de brigadeiro, ajudo a sustentar sistemas mesquinhos contra a minha vontade e, até um certo grau, por necessidade desses mesmos sistemas comunicativamente incompetentes.  Na outra rua, sofrendo com o calor provocado por esse sol aquariano, um cachorro vítima da carência e da maldade humana, tenta agarrar dois gatos na calçada, ainda que seu quadril não responda aos comandos do seu cérebro e um portão intransponível bloqueie a passagem. No lado oposto da calçada desse animal, quatro marcas no chão revelando que o  cheiro forte deriva da exploração diária de quadrúpedes de carga - remontando à época em que a Cidade Mãe estava longe do incipiente desenvolvimento atual. E o problema persiste, a comunicação incompetente dentro de...

Déjà vu alimentício

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Quadro: Natureza morta com maçãs e um pote de prímulas. Paul Cézanne. Metmuseum. Um dia passado - e perdido no tempo e no espaço até hoje - eu estava fazendo um macarrão, o último do pacote, da cozinha, de todo o apartamento, e quando eu fui finalmente escorrer a água todo o macarrão caiu na pia, entre pratos e panelas sujas. E assim terminou a aventura do último macarrão do mês. E a vida se repete, em proporções diferentes e de muitas formas. Então, considerando o presente qualquer dia após o último macarrão - anos depois, claro - eu estava fazendo um ovo frito quando, de repente, encosto na panela e todo o ovo é jogado na parede, que escorre pelo revestimento cerâmico e de forma macia se espalha pelo chão, deixando um cheiro de ovo pela casa e um lindo exercício de contenção de estresse.  Olhando para a mistura de clara, gema e sal como se olhasse para pessoas desagradáveis que encontro inadvertidamente na rua, não há repulsa, nem ódio, nem surpresa, nem lamentação. Apenas aceita...

Carta a um ausente V

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Aquarela: Meninos em uma Dory. Winslow Homer. Metmuseum.   Os anos pesaram, de um modo ou de outro. E as correntes das consequências das nossas ações deixaram marcas que nenhuma expressão vulgar pode transmitir toda a magnitude.  Os anos retiraram a magia da vida, a graciosidade das infantilidades e os motivos de lágrimas passadas.  Agora, parece que nada vale a pena porque, apesar de perto, acessível a um clique, reservada como sempre, comprometida desde a gênese, a distância é intransponível. Mas, para sempre e sempre nos momentos de tristeza e angústia, sua imagem sob a sombra do jasmineiro, rindo e com flores no cabelo em uma manhã de agosto é a visão que me arrebata para o único momento desta existência que valeu a pena, sob todo e qualquer sacrifício. Um dia eu sumirei entre datas e palavras e nem mesmo a minha lembrança restará.  Mas o meu olhar, vidrado nessa cena, será a minha última visão desse mundo.  E isso não tem lógica, nem explicação, nem medida....

O cólon prometido

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Estátua Eros Dormindo. Período helenístico. Metmuseum.   Unhas cortadas e limpas, significando que um cólon foi prometido.  O cólon não se abriu em flor no escracho entre quatro paredes e uma porta aberta.  As pregas. lá coçando.  Os dedos, cá órfãos. Lá, revirando na cama, no chão, entre paredes e móveis. Cá, uma tranquilidade de quem ouve a música dos vizinhos, comendo chips de batata-doce. Aqui, o calor de fora para dentro, suor fazendo brilhar a pele, marcando o local do corpo repousado. Em um lugar conhecido, o calor sobe do cólon para as entranhas e vai subindo para a boca, os olhos e o juízo. E assim se consome um corpo em ardências de desejo. E outro repousa em majestoso poder.  

O abstratismo de fim de tarde

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Óleo sobre tela: O Pensador: Retrato de Louis N. Kenton. Thomas Eakins. Metmuseum.   Andando despreocupado pela calçada, escondendo-me do sol terrível desse pedaço de chão sulamericano, sente o cheiro do sexo, da transa, do vendaval de tramas e ideias que coabitam minha imaginação e meu corpo. O caminho tem se mostrado fácil, com algumas pedras à margem e alguns animais maltratados. As fofoqueiras velhas e os homens em fim de carreira estão sempre sentados à porta ou à sombra, autorizando a vida alheia, esperando meu "bom dia" ou minha saudação mecânica.  Palavras que nunca recebem, independente de quanto se esforcem. Ah, o sexo! Seu perfume passa das minhas mãos para os objetos que toco e a excitação de uma transa qualquer, à montante ou à jusante da pequena caminhada, paira sobre a curiosidade do fiscais da rua. Ando despreocupado. Sinto cheiros iguais. Colerizo-me com os maus tratos sistemáticos contra animais, sempre indefesos e vítimas da carência e do egoísmo humano....

Comentarista de novelas reais

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Quadro: O concurso para o buquê: a família de Robert Gordon em sua sala de jantar em Nova York. Seymour Joseph Guy. Metmuseum.   Quem me vê no modo Comentarista da vida real não consegue imaginar o meu completo desinteresse não apenas pela vida social como também pelas pessoas, geralmente medíocres e desinteressantes. Isso porque  as novelas da vida real não possuem cenas fotogênicas, bordões espirituosos e frases de efeito - geralmente copiadas de autores célebres e mortos. Os capítulos das novelas da vida das pessoas da rua, dos colegas de trabalho, da política nacional são folhetins que ninguém compraria em sã consciência e de posse de um smartphone carregado. Depois os medíocres sentem-se ofendidos por não serem o centro das atenções ou sentem extrema ira por não terem suas vidas demandadas como a de uma Super Estrela. Aliás, se os "fãs" pensassem e não fossem criaturas simplórias já teriam notado que consumir a vida insossa dos ídolos é um ato de perda de tempo e de recu...

A rotina da casa do lado

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Tela: Tempo de lazer em um ambiente elegante. Pieter de Hooch . Metmuseum   Quando a família tradicional virou o deboche público por ter seus segredos expostos, como o gay sigiloso, a moça cujos hábitos sexuais estremecem os pensamentos das carolas e a religião exposta como arma de dominação dentro e fora da família - além, obviamente, das preferências políticas questionáveis e, até certo ponto, tão irracionais quanto o fanatismo religioso -, a credibilidade da instituição familiar foi jogada no lixo, incinerada e as cinzas foram jogadas na privada da rodoviária.  Agora tenho vizinhos que remontam à velha estrutura familiar - ainda sem filhos, mas à base do catolicismo.  Às 18h tem o terço. Entre as 22h e o meio da madrugada tem um sexo contido. Durante a manhã tem entrevistas com religiosos e sessões de músicas gospel. E a tarde é uma preparação da mulher, jovem e sempre auto exilada, pela chegada do homem. O perfume dela, nem tão bom assim, chega a invadir a minha ...

Estúpidos e ignorantes fiéis de redes sociais

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Pintura: Tumba de Virgílio ao Luar, com Silius Italicus Declamando.  Joseph Wright. Metmuseum.   Como uma generalidade, as pessoas são estúpidas e ignorantes.  E a manifestação dessas duas qualidades depreciativas do ser humano, frequentemente, se tornam evidentes pelo uso da religião como meio de escape para as estupidezes cotidianas e para cometer ignorantes atos de crueldade.  Quem consegue compreender isso domina o outro e suas preferências, mantendo-se sempre no bom pensamento, e deturpado, dos pobres diabos crédulos.  Bom, e de onde vem essa minha reflexão sobre isso? Estava eu no Twitter, despretensiosamente, como sempre, quando me deparei com uma postagem de uma cantora brasileira - que há tempos abandonou as terras de Rondon- em que transcrevia um versículo da Bíblia. Seus seguidores, tão estúpidos quanto qualquer latinoamericano colonizado pelo poderia ideológico e militar do catolicismo, ressaltavam quão sábia era o ídolo virtual que seguiam. E para p...

Crônica de um Passado

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Óleo sobre tela: Autumn Oaks. George Inness. Metmuseum.    O passado repousava sobre a minha mesa, entre folhas contendo datas importantes e a leitura de um livro que ainda não terminei por força de circunstâncias adversas.  Por falar em forças alheias e que sobrepujam meu próprio querer, tem a vontade de acabar com a minha vida entre transas casuais, bebidas gaseificadas e doces diversos. Uma vontade que vai além do imaginável e parece surgir do além-túmulo.  No entanto, guardei o passado. Não joguei. Não queimei. Não repudiei. Guardei. Livre da poeira e da ação do tempo. Protegido do meu olhar. O passado está guardado, onde deve estar.  E eu, minhas vontades, minhas aventuras, meu mundo não-cristão onde não existe pecado e somente o calor abaixo do equador pode me levar a paradas obrigatórias, vamos seguindo, como a água de uma torneira quebrada e esquecida pela Deso. 

Entre o tempo e o corpo

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Pintura: Estudo de uma mulher sentada, vista por trás (Marie-Gabrielle Capet). Adélaïde Labille-Guiard. Metmuseum.   Noite quentes, janelas fechadas, beijos estalando na madrugada. A rua com conversas murmuradas na esquina, os gemidos no andar de baixo, o calor escorrendo entre as omoplatas. E o tempo escorrendo entre estágios de dor, prazer e sentidos animalescos. No tablet, ligação de terceiros chamando para novos encontros e nada é capaz de parar  a língua que me prova e o meu corpo que me imprime no colchão. A vida vai passando, apertando, insuflando. E quando se percebe, os primeiros raios solares aparecem, o calor aumenta e o sono toma conta. E nada mais importa. 

A antifragilidade

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  Quadro: A Sala Amarela. James McNeill Whistler. Metmuseum. Depois do surto de falsa e hipócrita empatia a que fomos submetidos e que nos impulsionava para o precipício do descarado conflito nas organizações, nas reuniões sociais e no tribunal virtual das redes sociais, agora temos discursos sobre antifragilidade. Devemos ser antifrágil para produzir mais. Devemos ser antifrágil para aceitar com mais passividade os grilhões contemporâneos do trabalho. Devemos ser antifrágil para reclamar menos, aceitar  com mais gratidão as migalhas e suportar com resiliências os abusos a que somos submetidos para agradar os patrões e seus bajuladores. Antifragilidade é o novo "homem não chora" estendido, e não restrito, a mulheres e adolescentes explorados no mercado de trabalho cada vez mais perverso e danoso.  Sem fantasias, o cotidiano nas organizações está cada vez mais insalubre e desvantajoso para quem almeja mais que o simples quitar contas ao fim de cada mês. Porém, pensar é ser...

O dia de depois

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Quadro: Jovem Esposa: Primeiro Cozido. Lilly Martin Spencer. Metmuseum.         É o segundo dia do ano e o calor lanha minha pele com seu chicote implacável. Na lembrança, a última boca que beijei em 2021, macia, grande, falsamente temerosa e quase inalcançável no alto do seus 190 centímetros. E se a ordenha não saiu na virada, pode ser que saia repentinamente por uma mão macia ou uma boca sedenta, sempre da etnia negra.  Na padaria, a inflação açoita a mim, a mulher que estava no caixa, no fim de uma interminável compra, e que também trabalha lá durante a semana. Para o Alan, a inflação parece que só faz bem.  A Coca-cola parece aguada e a caixa de bombom Garoto não é tão apetitosa como parecia na hora que escolhi comprar. Será efeito do resfriado que peguei na madrugada do dia 31? Ou é porque a produção desses itens está com a qualidade duvidosa? De qualquer forma, é o que acontece hoje. Hoje, engraçado que o hoje, o presente, precisa de um pouco mais de ...

Dia 01

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Quadro: Uma Mulher com um Cachorro. Jean Honoré Fragonard. Metmuseum.  Os fogos, desrespeitosos e vulgares, passaram. O dia após a noite mostrou-se cansado, exalando a álcool e sexo. Nada a mais. Nada demais.  E o calendário, concreto objeto do tempo, voltou ao início de si.  Mas as mudanças exigem tempo, dedicação, estado de alerta. As mudanças exigem coragem e destreza, para serem fieis a  si sem machucar outras pessoas.  A alegria, rara em tantas aglomerações, ainda há de visitar casas e pessoas desavisadas. É assim que funciona - quando ninguém espera, quando a casa está suja do dia anterior, quando as pessoas estão entretidas por alguma bobagem no smartphone, a alegria mostra-se presente e ousada. Esse day one é uma obrigação temporal. Mas pode ser repetido todos os dias, sempre que a necessidade exigir.