Meu "até logo"

Foto: Lindinha, há 19 semanas
A manhã vai começar com os tons do verão, em uma aquarela laranja, azul e branca, na profusão de cores que somente essa estação é capaz de pintar no negro azul do céu. Não há chuviscos como na madrugada em que saíste para dar-me “até logo” e que com um olhar pidão viste perder-me nas curvas e esquinas das ruas. Naquela manhã, ao olhar para trás e ver-te tão pequena, sentada à porta de casa, sabia que eras única no mundo inteiro. Hoje não choveu, mas eu olhei para a rua e vi-te sentada, olhando para o além em que eu me perdera outrora.
E o teu amor foi comigo, viajou para longe, tomou sol, levou outras chuvas e voltou, comigo, como sempre. E ao encontrá-la, no mais alto breu, era como se nunca houvéssemos nos separado. A distância que separa os corpos físicos jamais apaga o amor verdadeiro. Aquela distância já não existia quando, uma tarde dessas, fomos à exaustão, no chão, de tanto brincar – ganhamos arranhões, suor e cansaço e ninguém entenderia aquela luta inofensiva.
Hoje eu não brinquei. Não me cansei e nem saí. Hoje, como pelo resto dos dias, nós não poderemos mais brincar e, por isso, jamais ouvirei os espantos alheios ao mostrar meus braços e pernas arranhados. Porque, de hoje e para sempre, tu estarás imaterial, em outra distância, ainda que, talvez, no mesmo mundo.
Mas não te preocupes, eu ainda tenho que caminhar, sem correntes, por aí. E o medo da rua lotada e o sossego de dormir com a porta aberta ainda existirão, muito depois que eu também me for. Porque quando vieste trouxestes  a calma e o sossego e eles ficaram como lembrança tua.
Não vais mais comer o meu cabelo, nem saltar sobre mim à minha chegada e aquela alegria do tricentésimo encontro diário ainda permanecerá firme. Seus olhos ainda me darão o poder que eu preciso e o som das suas unhas no piso ainda ecoará nos meus ouvidos. E tudo isso só é possível porque um dia, em um outono, você se tornou o Smaug do Olaf, o Aslam do Tesla e a minha Edwiges. E para sempre será.
 Agora que deixaste esse mundo, não antes de quebrar os meus cem anos de solidão e marcar-me a ferro e fogo, torcemos que vivas em paz, com um gatinho para morder (de leve) no B-612. Seja gentil com o Pequeno Príncipe, ele também tinha uma rosa amada, e agora os dois podem ser bem felizes, com regulares viagens pelos planetinhas. Jamais o deixe sozinho, como nunca me deixou.
Um dia voltaremos a nos ver, foi o que nos prometeram. Hoje, sou eu quem ficará no portão vendo-te dobrar a esquina das nuvens, à porta de nossa casa, esperando o dia do nosso encontro marcado.



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