Incoerência: uma pequena re-visão




Outro dia, em posse de um tédio imensurável, embarquei em um ônibus coletivo, sem prestar atenção no destino e nas paradas. Não interessava exatamente os lugares por onde iria passar, apenas o que queria notar e testar. E enquanto ia passando por casas inacabadas outras detalhistas até, fui notando que havia pessoas que entravam sem pagar a passagem, outras solicitavam, erroneamente, a parada, algumas perdiam o lugar exato da descida e havia, ainda, aquelas que só eram levadas. Fora, nas ruas e calçadas escaldantes, paradas ou em passeio simples, iam outros tantos indivíduos que levavam a vida com o bater do ponto do trabalho que é viver.
Entre pequenas infrações, amores ciumentos de casais públicos, transportes atrasados e lotados e um céu cinzento. Ameaçador, percebi certa coerência que existe entre um casal profano em certo terminal de integração e os passageiros do automóvel, pois se olhássemos – todos os passageiros – bem, com uma visão despretensiosa  seríamos capazes de notar que, no fundo, todos já passaram por aquele momento em quenada importa, a não ser o fechado mundo composto entre uma consciência do errado e um desejo silencioso de que a sociedade fosse apenas dois seres, sem grande problemas. Veríamos que não há uma dose exata de felicidade pura, mas que existe doses diárias daquilo que, no futuro, diríamos ser bom. E por felicidade não entenda aqueles sorrisos involuntários, aquele falso desprendimento; entenda como a real e inconstante compreensão dos fatos, atos e relações que se têm, geralmente com uma só pessoa, nos dias atribulados, ociosos, lacrimosos, irônicos, tristes, desvairados.
E nesse meio, a claridade opaca do egoísmo também procura lugar, espaçoso, confortável, para se instalar e provocar as mais diversas formas de separação, que vulgarmente podem denominar de incoerência.
A esse destrutivo termo, egoísta e medíocre, é que se deve a fatura de tantos relacionamentos fracassados e de tantas pessoas decepcionadas.
Incoerência não é aceitar que amando os defeitos do outro, estará sendo defeituoso; que não aceitar as atitudes alheias, estará alterando sua própria personalidade; que deixar-se viver, apesar das opiniões de outros, o que te faz bem é ruim; que estar próximo e equilibrando os prós e contras é maléfico. Não é!
Por outro lado, incoerência é destruir, forçada e propositadamente, por modismo, achismo e desculpas injustificadas, uma relação na qual não se tem nada errado; nem que não há reclamações exacerbadas; nem a presença de gritos e vulgaridade. Incoerência, nesse sentido, pode ser entendida como o medo de estar em um sólido terreno cujos malefícios só podem ser plantados pelo poder da imaginação e da intriga.
Um ser que muda de lado apenas para se manter em  sua zona de conforto e que, para isso, fomenta mentiras e intrigantes mesquinharias, quando outrora era simples, doce  e humano, é alguém que ultrapassou a linha limítrofe da indiscutível alienação, instalando-se na vida inventada, publicada, falsamente compartilhada.  Esse ser, nessa condição, não apenas destrói a si, como também aqueles que tanto o ama e que, por essa razão, carrega a chancela da intocabilidade leviana, imerecidamente, sem o direito de invocar o silêncio e as lembranças dos bons e reais momentos.
O silêncio um dia chega.
Uma caminhada sem lembranças é semelhante a uma canção idealizada, nunca concretizada. Uma caminhada fictícia assemelha-se ao futuro que jamais poderá chegar, por falta de experiência. Uma vida incoerente é apenas um buraco negro que consome sorrisos, brilhos oculares, rotina, tempo. E que deixa para trás somente a incapacidade de compreensão e de entrega.
O pré-julgamento é tão somente um reflexo de si.
Nem todo acho é verdade; nem toda distância é amor; nem toda realidade é definitiva.
Entre o seu despertar e o seu fantasiar noturno, quantas pessoas você enganou? Quantos amigos você realmente ajudou sem medo? Quantas paixões momentâneas consumiram sua paciência? Quantas mentiras sobre alguém você fomentou? Quantas pessoas você feriu, sem a responsabilidade da sua culpa? Que vida é a sua?
Sendo da natureza humana a mania de destruir o perfeito, pessoal, particular, só para ter do que reclamar e lamentar, também não é verdade que faz parte dessa mesma natureza reavaliar tudo, refazer cada parte danosa e defeituosa de modo que o errado perca espaço para o está “indo certo, agora!” ?
Se é de incoerência que vive e dela faz uso para justificar suas fraquezas e medos, então não se preocupe com o futuro por que não haverá histórias para contar, nem a quem ou do que se orgulhar. A incoerência cria brinquedos, legos, por exemplo, não a satisfação da superação das atribulações pessoais e conjugadas.
Se é incoerente, então sequer pode ser considerado criança, porque estas não temem a reavaliação de si e dos outros, tampouco são dominadas pelo achismo alheio.
Se é incoerente, também é destruidor, incapaz e incompetente de fazer e se fazer feliz.
De quantos modos precisa para estar bem?
De quantas pessoas precisa destruir para fingir viver?
A incoerência gera buracos negros, esses geram você e destroem tudo ao seu redor. Desse modo a vida passa, sem a felicidade real a qual atribui, na virtualidade, seu sorriso limitado.
E, assim, do outro lado, na vida que resolveu largar sem avisos por causa dessa tal incoerência, estão todos aqueles chancelados e tudo aquilo que faz cada momento ser inútil, mas vantajoso e inestimável. A diferença entre quem ficou para trás e de quem seguiu incoerentemente é de que, aqueles, podem não ter aquilo o que viram, ou que nunca poderão alcançar o que desejavam, porém serão eternamente gratos por cada dor que sofreram em virtude destes.
Não se preocupe, o fracasso atende pelo nome de sucesso quando é conveniente. E poderá nada dar certo nem para o coerente, nem para o incoerente. Quem saberá o que virá no próximo ponto de parada desse ônibus?
No próximo ponto, o incoerente poderá só ver mágoas, mentiras, mesquinharias. O coerente poderá ver a culpa de ter feito o que podia, ou a exigência que não podia ter feito. Mas ninguém, principalmente de forma mutua, poderá julgar a visão de cada um.
Se não sabe dos problemas, não julgue as atitudes alheias.
Horas depois, quando pensamento já se perdia na exaustão e o profano casal havia se perdido na certeza de que nunca mais os veria, nem voltaria ao terminal, o ônibus parou, chegou no fim da sua linha. Na descida dos poucos degraus, subiu a indagação:

Quantas pessoas que chegaram e saíram  da última parada realmente pode se orgulhar de sua vida?






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