Discurso do Método




DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 102p.


A formação do conhecimento, com o absolutismo da busca incessante pelo aprimoramento das ideias, é um processo que não se pode minimizar com métodos pelos quais as leis da natureza e, consequentemente, da física e da matemática sejam menosprezados nos detalhes mais ínfimos. Tal meio pode, sem perdas de elementos fundamentais para a evolução do pensamento e a construção de formas eficientes de aplicabilidade social e produtiva do conhecimento, ser otimizado e difundido através do autoconhecimento e da constante indagação acerca da veracidade dos argumentos já estabelecidos em cada área do saber.
Dessa maneira, em uma abordagem que pode ser considerada como pessoal e elementar, dada a introspecção e profundidade do Discurso do Método, uma introdução a um conjunto de obras igualmente revolucionárias, Descartes evidencia, além do escrito, um conceito em que se pode, sem o medo de errar, ainda que exista iminência dessa possibilidade, gerar e melhorar os conceitos fundamentais das ciências exatas e humanas a partir das observações de eventos que podem ser considerados puramente simplórios para o cotidiano. Esse modo de visualização da realidade como uma extensão de uma fábrica de reconceitualização pode desvendar os mistérios do óbvio na vida humana uma vez que força o homem, dito comum, a promover o conhecimento e suas formas de manifestações na sociedade a partir de observações e da auto-análise crítica do que já adquiriu como sendo correto e indiscutível.
Nesse ínterim, observa-se que a formação educacional e humana de um indivíduo pode levá-lo ao erro quando, na discussão de métodos de resoluções de conflitos científicos e humanos, não se achar saída aceitável para problemas eventualmente simples e banais. Nesse contexto, a formação de um ser, que pode ou não ser considerado humano pelas definições impostas pelos doutores e por aqueles a quem tomamos inicialmente como o contato educacional e científico, depende exclusivamente de um aglomerado de predefinições que reutilizamos sob a denominação de preconceitos. E, assim, pode-se explicar como surgem as dissoluções urbanas e a formação de organizações paralelas na sociedade como o crime organizado e a divisão de classes socioeconômicas, tão bem explanadas por Marx e Engels, posteriores a Descartes.
E é justamente a experiência pessoal, desviada da publicidade direta e devida, que produz o que se conhece atualmente por um Discurso cujo objetivo não é induzir outros indivíduos a uma maneira rígida de formação do pensamento e sua forma física cujo nome adotamos como método. E se considerar as pressões psicológicas e políticas do período em que se concebeu a obra, pode-se concluir que se tem, hoje, um verdadeiro retrato do velho mundo, repetido inúmeras vezes pelos vizinhos americanos e que, do ponto de vista do conhecimento, foi amplamente aproveitado e repetido durante toda a história do continente americano.
Por outro lado, a origem de uma sociedade civilizada, colonizada e explorada pelas metrópoles europeias, é uma maneira de aplicação do conhecimento e de métodos, que se pode considerar abusiva na sua incapacidade de gerar cidadãos, ainda que escravizados pela filtragem e monopólio do conhecimento. Dessa sociedade viciada na facilidade e na falta de métodos, ainda que fortemente apoiada nas ideias de céu e inferno, de uma religião sem sustentação filosófica forte e desprovida do egoísmo humano, é que se observa que a aplicação, entendimento e execução dos passos utilizados por Descartes é um verdadeiro enigma para muitas comunidades, mesmo no meio acadêmico.
No entanto, seguindo o raciocínio de que a visão pessoal sobre os elementos constitutivos das ciências pode reger novas regras e definições acerca de uma maneira inovadora e dinâmica que pode originar a formação de uma sociedade, a partir de cada ser, individualmente, capaz de entender o mundo virtual, onde se processa a vida e suas condições essenciais, e o concreto, onde são aproveitadas todas as formas de processos e ciclos do mundo virtual.
Embora seja de uma linguagem simples, o Discurso do Método revela-se como um conjunto de iniciativas que podem, e, em algumas situações, devem ser empregadas se desejar obter resultados eficientes em determinados ramos da produção de subsistência contemporânea e do desenvolvimento da ciência e tecnologia. Em uma visão global do trabalho francês, pode-se ressaltar que a obra é uma pequena parte, medrosa e tímida, de um todo cuja proporção é capaz de trazer à tona toda uma gama de possibilidades de pesquisa e descobertas de maneiras de como aprimorar, desenvolver e praticar o potencial humano, através da simplicidade e da aplicabilidade dos efeitos das ideias e dos ideais.
Esses ideais, cuja perfeição e certeza são alicerces de um sólido saber, orientam-se em direção de questões fundamentais como a existência de Deus e de sua perfeição, espelhada ou não na humanidade e que, segundo suas próprias observações, leva ao indubitável gerenciamento de inúmeros conceitos definitivos. Para essa analogia, cercada de pesar oriundo do monopólio da Igreja, depreende-se o questionamento da capacidade humana em discernir, por si só, o que é ou não verdadeiro, tomando como base as concepções acerca da natureza divina.
Entretanto, para a proliferação desses ideais e das ideias que temos de seres e corpos, ainda que inanimados, conhecidos notoriamente pelos homens e que, sem nenhuma conceitualização formal, sabemos de suas existências e atuação no meio físico e virtual, é necessário que possua, cada ser pensante, noções básicas do conhecimento e de sua falta, pois, quando se reconhece que a ausência de domínio de determinados ramos do saber provoca a tomada errônea de decisões e o julgamento equivocado de situações, rotineiras ou não, pode-se ter a visão geral do certo e errado a partir de uma análise eficaz do modo de pensar e agir, individual e coletivo.
Para obter esse nível de crescimento intelectual não é preciso, como Descartes, fugir ou temer, atualmente, as opiniões do clero nem dos doutores. Porém, deve-se observar que o bom senso, segundo o filósofo francês, abundante a todos seja amplamente utilizado, tomando sempre como limite a razão. E, além disso, um mix de implementação dos sentidos e da imaginação como uma forma de provar a veracidade da razão por meio de métodos individuais pelos quais o homem, de acordo com sua natureza, possa não se destituir de seus conhecimentos adquiridos durante a vida, mas complementá-los por meio de uma gerência adequada e racional daquilo a que se pode evocar sempre que o subjetivismo assim o exigir e que, através disso, a idealização de objetos, seres e circunstâncias pode ser transposta para o mundo real, sempre de forma análoga e minimamente precisa.
Essa visão pode ser evidenciada claramente quando se tem que discutir a veracidade e a aplicabilidade das ciências nos mais diversos campos produtivos da sociedade contemporânea. A essa maneira de expressão e aplicação deu-se o nome de interdisciplinaridade e pode, quando corretamente utilizada, ultrapassar os conceitos sensoriais e produzir qualquer tipo de produto ou serviço, ou ainda ampliar a visão do indivíduo, apenas por meio da reconceitualização pessoal do que se vê. E é nessa perfeição, inerente ao homem, proveniente de uma divindade superior, que se observa o desenvolvimento sem precedentes da sociedade industrial.
Embora limitado pelo clero, Descartes evidencia a possibilidade daquilo que poderia ser entendido como a única forma de aquisição do conhecimento verdadeiro e cujo método requer a quebra da alienação religiosa por meio, primeiro, da auto-situação do indivíduo frente aos dogmas religiosos e sociais. Para uma época instável e altamente perigosa para um filósofo, ou simplesmente um indivíduo desafiador da ordem estabelecida, o Discurso do método revela-nos ainda que a possibilidade do rompimento daquilo que é dito verdade e do modo como o homem deve ver seu meio é algo a ser constantemente repensado para que, em qualquer época da história humana, não se caia na apostasia científica.
Aliada à corrupção, a apostasia científica, que pode ser entendida como a falta de ética e responsabilidade profissional nas pesquisas, torna-se o entrave primordial na formação de uma sociedade em que o livre pensamento deveria ser a base do desenvolvimento. Nessa sociedade industrial, onde a informação é produto de interesses e movida à corrupção das classes sociais dominantes, ter um método capaz de contrariar a ordem imposta pelos meios de comunicação corruptos a fim de ter um pensamento capaz de gerar um conhecimento sólido e livre de qualquer forma de alienação, que só pode ser comparada àquela exercida pelo clero sobre os contemporâneos de Descartes, torna-se de extrema importância para uma mentalidade livre do falso ceticismo e que, do ponto de vista pragmático, pode corresponder a uma ciência cujo método pode ser alcançado por qualquer indivíduo, ainda que possua pouca escolaridade e que, para alcançar sua média produção seja necessário um conjunto de procedimentos básicos.
Descrevendo maneiras de aperfeiçoamento, aquisição e conclusões do conhecimento, o Discurso do método revela, nas entrelinhas e sob uma espessa camada de pessoalidade, maneiras de contribuir ou desenvolver uma formação eficiente do conhecimento e, consequentemente, do indivíduo portador desse saber. Embora seja, ora introdução de uma rica obra, ora seja a própria obra na qual se podem observar os traços essenciais de uma geração restringida fisicamente pelos dogmas religiosos, com marcas de guerras estatais e de concepções científicas e filosóficas.
Desse discurso metódico, um indivíduo qualquer, que possua os níveis mínimos de autoconhecimento, análise crítica, formação política e dotado de um considerável grau de autoconsciência de seu papel ante os desafios do desenvolvimento científico, tecnológico e social, é capaz de desenvolver, a partir de sua interferência em conceitos e definições previamente aprendidas e de suas aplicabilidades em um contexto interdisciplinar, independente do ambiente em que esteja inserido, outros métodos, tão eficientes quanto e que, ainda que para uso apenas individual, pode ser suficiente para mudar o curso de qualquer modo de pensar e agir de uma fração da sociedade contemporânea. E, portanto, tal qual o Discurso de Descartes, a linguagem pode ser acessível, apesar das analogias e da pessoalidade empregada, a qualquer indivíduo em qualquer parte do globo terrestre, pois a essência, nunca renegada pelas traduções, é um dos princípios que se pode tomar como o método mais eficiente de difusão e propagação da cultura e da discussão das ciências. 

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