À uma velha companheira


Venha!
Sente aqui ao meu lado, de você não tenho medo. Seu cheiro não me enoja tampouco perfuma-me. Olha como sua obra está bela! Veja a realidade do deus-verme entre o ventre da sua escultura surreal. Por que não fala dela? Por que não a exponhe? Há problemas nessa arte um tanto incomum? Não. Você não aparece ao público apenas por vaidade, acha que seria humilhante ver face-a-face a realidade nua do cotidiano de seus fantoches.
Pensa que não sabemos como é trabalhoso levar tantas abstrações para o além azul? Sabemos que pode ser difícil e logo agora quando tantos seres  resolvem partir para o longíquo  abismo do recomeço sem perguntar-te se é possível voce resolve chorar! Mesmo assim deveria sorrir quando chamo-te para festejar a ingratidão da vida, ao desconcerto de tantos erros e acertos de gente ignorante. Nós humanos conseguimos sorrir da desgraça, você não?
Venha festejar!
Acompanha-me nas músicas que gosto, nos doces que aprecio nas melhores horas do descanso, nos favores  do dia que cedo a outro sem troco, nos amores perdidos pelas filosofias de vida, nos amigos que o tempo apagou na espuma do esquecimento. Venha festejar se tens coragem de ver a vida diária de quem te afasta e techama à luta. Vem...
Não tenho medo do teu braço, por vezes forte, que me julga no decorrer dos fatos mais banais de minha significância. Se achas que já parei de torcer o osso que me dás para viver engana-se, não tenho a coragem de muitos dos que levaste, mas tenho a desnutrição da queima da palma, tenho o anonimato ao meu lado, tenho a pena vindoura pra me limpar dos pecados, tenho uma crença perdida, tenho o desacreditamento dos meus, tenho a pobreza ardente nas costas, tenho a falta de fé em melhores passados, tenho a solidão a ajudar-me, tenho o pensamento firme em minha força institiva, tenho o que não se pode ver, tenho a arte do poeta envelhecido, tenho o imencionável, tenho  a ausência da doença, tenho o não querer de uma bem-amada, tenho o que se quer perder, tenho o que já se gastou sem nem mesmo ter ganhado, tenho a força da luta férrea em terras áridas, tenho o cuidado desbravador, tenho o coração quebrantado por belezas idas, tenho a verdade a meu serviço! Só não tenho medo do teu inevitável encontro.
Sei que não queres ouvir meu apelo ácido ao teu aparecimento. Não queror ir apenas encotrar-te em meio ao vão que tentam  me colocar só para mostrar que nem mesmo sua personificação é capaz de abalar-me. Pode não querer saber o quanto não te agradeço por conhecidos que me afastaste; de quantas vezes secaste o meu pranto no vento do desespero e do silêncio  que a tua música anunciativa fez fazer do ultra-além. É doloroso ouvir? Pior ainda foi ter que aguentar-te por anos a fio sem, ao menos, poder reclamar  de  tudo o que perdi e de tudo que deixei deobter por sua  exclusiva culpa e trabalho.
Agora não tenho apenas o Deus dos hebreus! Os deuses africanos e pagãos do médio e extremo oriente  também colaboram em meu trabalho de desafiar-te. No meu congá elevo os seus fracassos, noutro altar deixo a prova da tua queda. Não sou seu inimigo, quero apanas que você  jogue os búzios do destino a meu favor  e dêr-me tudo o que me deves.
Já mandaste o sol queimar-me, a fome ameaçar-me, as pestes atentarem contra o meu bem estar com o fim único de tirar-me a calma intersecular que adquiri nas muitas vidas de travadas lutas contra te. Prostituiste o amor próprio e com ele  tentas dobrar-me à descida ao quente e úmido subúrbio místico: não conseguirás, eu te prometo!
Venha, senta aqui ao meu lado minha inestimável amiga: MORTE!

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