Novo humano primaveril
É primavera no hemisfério sul e no centro geodésico da América do Sul nada se vê além de fumaça e de uma paisagem coalhada por prédios cinzentos de fumaça. Calor e fumaça. Sem sexo - já que ninguém aguenta montar sobre corpos sob o efeito de detritos e vegetação queimada nos pulmões -; e sem apetite - o calor não permite nada além de uma insana vontade de beber água ou uma bebida açucarada qualquer, o dia vai escorrendo, na lembrança de um suor que não existe em virtude da baixíssima umidade.
Há emoções latentes que não se atrevem a ultrapassar a barreira do aceitável socialmente. Há homens que se amam. Há mulheres que se desejam. Há casais que não mais se tocam. Há corpos mimetizando pessoas.
A primavera começou. Sem poesia, sem expectativas, sem amenidades. Apenas começou porque deve, não por que escolheu. As músicas que apaixonavam e abriam essa estação retratam um tempo sem calor excessivo, sem falta de água, com flores e olhares singelos (se um dia houveram). Hoje a primavera é tão árida quanto a terra mais seca do semiárido.
E quando percebemos que não podemos sair à rua porque a ameaça de um sol avermelhado pela poluição pode nos queimar a pele e uma atmosfera opressiva de fumaça e calor é que notamos que não mais amamos - nem a nós mesmos, nem a ninguém.
Estamos agora seguindo a vida entre aplicativos de sexo rápido, de comida rápida, de amores rápidos. Condenando a nós mesmos a antidepressivos, comidas hipercalóricas e carências imensas. Agora, na extrema insensibilidade criada por tantos transtornos, somos números em redes sociais, nomes em cartões de crédito virtuais, fantasmas sob o efeito entorpecente do não-ser-nada.
É primavera.
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