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Mostrando postagens de fevereiro, 2023

Case de sucesso

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  Obra: Couple Entering Building, with Attendant (from Cropsey Album).  Carl Friedrich Heinrich Werner MET. Não é o que temos que define a alegria que sentimos e o percurso para conseguir alcançar as metas e objetivos. Também não vão existir regras que definam os sentimentos antes, durante e depois. É a amplitude de tudo o que pode acontecer e, positivamente, nos surpreender que torna, no fim, a história em uma case de sucesso.  Aliás, sucesso não são as comparações, por vezes inevitáveis, que possamos inadvertidamente fazer. Sucesso é tudo aquilo que você deseja que ele seja e que, independemente do que for, só cause bem-estar.  Estamos aí em automóveis, em trânsito congestionado, sobrevivendo à seca ou às enchentes, revoltosos ou não com a subordinação do trabalho provocado pelo modelo tóxico do capitalismo desenfreado, esperando mais um feriado? O carnaval passou, depois de uma pandemia, como uma pausa necessária e breve no cotidiano de todos os brasileiros....

Uma heresia de segunda

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Escultura:Couple. Povos Sakalava. MET Os muito medíocres criaram, em seu deturpado imaginário, que devemos nos arrepender de alguma ação pretérita que, pela força do querer ou não, tenhamos cometido. Nesse mesmo imaginário estamos todos sujeitos ao erro e, por esse  erro cometido, mais dia ou menos dia, devemos ser e permanecer contritamente arrependidos. Esquecem, muito fácil, das delícias de certos erros e da necessidade de outros. Dependendo do ponto de vista e da elucidação correta de todos os fatos, não há erro. Apenas meras escolhas a serem tomadas em um mar de caos de um dado momento.  Expressar tamanha heresia só tem um sentido: o da luz. Em uma sociedade que escolhe a religião como arma e refúgio e que, sob esses mesmos aspectos, adoece paulatinamente sem que nenhum Deus a socorra, é impressionante como Marias Madalenas modernas revisitem o conceito de arrependimento quando as convém; como homens escolham um modelo que não abale sua ardente ignorância e como, desde ce...

Somente o que vejo importa

É sexta-feira. Dia de sair às ruas, fabricar uma alegria com prazo de validade e sermos livres de tudo o que nos atormenta, prende e humilha. Mesmo efêmera, essa alegria multicor que compramos uma vez por ano e vestimos no calor de quase quarenta graus nos salva do desastre de viver. Um viver imposto pelo sistema de produção e alimentado pela ganância política de homens ordinários e gênios irreconhecíveis. Esse mesmo viver que afunda, dia a dia, em um abismo de obrigações que só existem para manter firme a marcha da existência sem sentido. Alguns já deram o basta no trabalho e começaram a carnavalizar. Outros insistem em ser o exemplo para o patronato e findará a semana como se tudo estivesse na mais perfeita tranquilidade rotineira. Espere. Agora ouço os amores sendo cuidadosamente guardados no fundo das gavetas enquanto paixões intempestivas surgem de todos os recantos. São dias de paixões inúmeras e diversas e os amores não têm morada na casa do som e da agonia carnavalesca. Vejo co...

Natureza injustificada

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Off Greenland—Whaler Seeking Open Water. William Bradford. MET. Dizem por aí que nunca foi tão fácil estar próximo de pessoas que estão distante e estar muito distante de pessoas próximas. Culpam os hardwares, os softwares, distúrbios, síndromes e espectros mentais. Tudo é motivo para explicar os motivos de pessoas que dividem o mesmo sofá, a mesma cama ou o mesmo jantar poderem estar muito atentos a outrem e alheios entre si. Não há justificativas. Há falta de interesse, excesso de banalidade, falta de personalidade e busca por excessiva e doentia autossatisfação. Não é possível sobreviver à rotina sendo ordinário. Tampouco é possível manter qualquer relacionamento se o parâmetro empregado para avaliar a adequação do atual status quo for sempre a comparação.  Assim, como tem sido recorrente, acabam-se os relacionamentos com muita facilidade. Ainda existem quem chore e dramatize por força do hábito, porém o mais prático é desligar pedaços inteiros de tempo apenas varrendo para a e...

Uma verdade insolúvel

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Uma verdade insolúvel e pouco aceita: é o ódio que move o mundo. Embora frases motivacionais e textos prontos poluam nossa mente com o histerismo de  "amor" e "gentileza" como chaves para um sucesso quimérico, não é verdade que esses elementos provoquem significativas mudanças onde quer que se escondam. Para os fanáticos e adestrados religiosos, seus livros "sagrados" estão escritos com o sangue de inocentes e culpados em textos que retratam o ódio, não o "amor", como modo de vida e conversão. Para os capitalistas, claramente é o ódio que move as mais diversas indústrias e cadeias produtivas, sendo, estas, armas contra as ameaças de seu status quo. Para a gente ordinária do trabalho, da universidade, da outra rua é o ódio oriundo das mais diversas fontes e contra qualquer um e todos que move o cotidiano atarefado e falsamente importante. Não.  Não pense que o "amor" se sustenta por mais de 120 minutos ou além de uma simples ...

O aríete da autoviolência

Forçamos nossa natureza como um aríete que tenta derrubar as resistências de muralhas de castelos duramente erguidas e sensivelmente mantidas. Violentamo-nos por nada.  Aprisionamo-nos sob a vontade alheia e logo adoecemos, do corpo e da mente. E ainda ousamos atribuir nossos dissabores à genética, ao uso indiscriminado da Internet ou aos processos formativos da infância, apenas. Olhando bem e analisando o nosso entorno, percebemos, não raro, a nossa incapacidade de não seguir as massas e de sermos disruptivos.  Agora estou aqui, em um ambiente lotado de futuros doentes, físicos e mentais, embora creia que metade já possui algum grau de afetação, esperando o tempo passar sob o efeito de uma leve sonolência; e pensando na inutilidade dos currículos e dos trabalhos desgastantes que acabaremos por ter depois de tanta luta. Que o calor do hemisfério sul, agravado pelas mudanças climáticas, derreta-me antes que eu ceda ao meu próprio impulso de ser ordinariamente doente e banal....

O atinar da madrugada

Existe uma arte que se refina com o passar das horas e que é adaptada a cada vivente, embora aparentemente cruel e sem sentido: a de retirar de seu meio ambiente as pessoas. Nem sempre são indivíduos indesejados ou que representam alguma negatividade. São criaturas que, por motivos diversos, perderam a razão de existir em sua vida e não se encaixam em seu cotidiano. Pessoas que podem até não desagregarem, e que também não agregam nem lembranças passadas, mas que devem ser silenciosamente retiradas do seu convívio para economia de energia. Uma hora de completo alheamento, como quem não atina onde está, você descobre que pode viver sem uma ruma de pessoas que lotam sua agenda de contatos. Nessa hora você descobre que, na verdade, só precisa de si.

Esperando o Diabo na segunda

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Obra: Bear Killing Bull. Antoine-Louis Barye. MET. É segunda-feira e eu espero que o Diabo católico me carregue enquanto eu durmo para poder olhar, seja lá de onde for, e poder dizer que acordei morto.  Espero que o Diabo me carregue atravessando a rodovia, com todo mundo vendo, em um espetáculo instagramável para que a passagem entre para os anais do imaginário popular por 5 minutos, enquanto o corpo arde no asfalto quente. Espero que o Diabo me leve enquanto aguardo para almoçar - por choque elétrico, surto de algum coleguinha desesperado, a queda do teto... Espero que, antes desse dia acabar, o Diabo me carregue e assim chegue a minha passagem para outro plano e depois para outro e para outro depois do próximo.  Espero mesmo sabendo que o Diabo não existe.

A espera do Arlequim

Ali na esquina, onde dormitam vontades imensas, encontra-se um Arlequim. Esquecido no Carnaval passado, com roupas de cores desbotadas e invisível sorriso, aguarda ansiosamente pelo regresso das ruas lotadas, dos amores repentinas e dos encontros casuais entre um gole de cerveja e uma vontade reprimida. Do outro lado da rua, sob a marquise de um tempo que não passa nunca, estão as amarguras da visa, os deboches, as críticas, as irônicas reviravoltas de um cotidiano sem limite de caracteres.  O bloco há de passar aqui na rua, sem alas, sem fantasias, somente roupas e cabelos soltos a revoltear no calor desse hemisfério sempre quente. Agora é hora de ir e perguntar se já é hora- o Carnaval já baterá à porta e existe a pressa de uma certa alegria tempestivo.

Tergiversados

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Estamos, comezinhos, tergiversados. Somos linhas que não se entendem apesar de tantos toques - tocados via aplicativos - nunca somos sentidos.  Uma dose de cachaça e somos amigos de um bêbado qualquer. Um comprimido branco e pequeno e somos medicados contra nosso mais íntimo querer. Uma palavra escrita em um livro e somos presos a convenções mundanas. Uma bateria carregada e não sabemos mais quem somos. Tergiversados, arredondados e sem arestas. Estamos escorregadios a tudo o que nos comove, preocupados com as abominações capitalistas que nos prendem: será que teremos dinheiro para viajar, comer, vestir, sorrir? Simples tergiversos que não sabem para onde ir.

Os doentes

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  Davida Johnson Clark, Augustus Saint-Gaudens. MET Pessoas doentes adoecem outras pessoas. Isso é real e vejo todos os dias, sem nenhuma exceção. Na fila do pão, os carentes demoram a escolher o produto, conversam com a atarefada atendente, demoram em fazer o básico. No trânsito, sem meias palavras, os palavrões tomam conta do ar empesteando mais que os gases dos escapamentos.  Os ressentidos tomaram as ruas, as salas de aula, as cozinhas, as pequenas e médias empresas, as calçadas, as casas.  Os ressentidos tomaram conta de tudo. Os outros doentes, nem sempre sob medicação, preferem brincar consigo, adoecendo os outros com falsas perspectivas e palavras vãs. Clonazepam, benzodiazepínicos, anti-depressivos, anti-vida, refúgios em comprimido - tudo é usado como desculpa e arma. E a sociedade, geração após geração, sob siglas, se autodestroi impunimente. 

De verdade, muito se quer

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  Alison Saar,  High Cotton II , 2018. É fácil saber o que não precisamos - o corpo, as pedras da rua, a poeira sobre a lataria dos automóveis, os cabelos coloridos e crespos das pessoas berram a cada instante mostrando não apenas desagrado como também franco desarranjo da natureza do querer real que se refugia no íntimo. Não demora e o cansaço se faz presente, o malquerer dita as palavras e nenhuma boa vontade surge no horizonte das coisas que se deseja.  Agora estamos nós, lutando contra os poderes instituídos, esperando milagres intempestivos, como se não detivéssemos poder para sermos melhores ou ditarmos o fluxo dos acontecimentos que nos pilham a vida, o humor, o estado atual.  Nada mais nos importa. E, de novo, é hora de ir.  A lagoa secou. A vaca dá leite amargo. O milho não cresce. Nós definhamos aos poucos.  O pouco não nos encanta, assim.