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Mostrando postagens de junho, 2022

A crônica corporativa do Pride Day

É 28 de junho e logo pela manhã os alarmes tocam para lembrar que é preciso fazer um post com as cores do arco-íris e expressar, também em palavras, nas  redes sociais, o quanto a Organização é engajada na luta LGBTQIAP+. Lindo de ser o quanto o mundo corporativo é colorido e "acolhedor". E assim que as imagens e os textos são postados e a obrigação do dia é dita terminada é hora de voltar à normalidade. E a normalidade significa que o funcionário gay não é medido de acordo com sua competência no trabalho, a mulher que se assume lésbica precisa seguir o padrão de comportamento que se espera "para esse tipo de pessoa";  Trans na seleção de amanhã?  Travesti aqui na empresa?!  _ Não somos preconceituosos, até temos um rapaz divertido... E o discurso conhecido até pelos héteros mais ortodoxos começa e não para até que se chegue nas linhas tortas de um certo livro religioso, cuja interpretação é quase um crime. Dizendo-se sem preconceitos essas Organizações e seus tóxic...

Uma breve reflexão sobre desenvolvimento sustentável

O contraditório termo desenvolvimento sustentável tem inquietado certas alas acadêmicas que não o aceitam como balizador das reformas nas políticas e práticas ambientais.  Alegam, como se pode ver em algumas situações, que o desenvolvimento não pode ser sustentável e chegam aos extremos, em bandeiras que somente um aristocrata  moderno com uma miríade de servos pode levantar. O fato é que esse termo é a base, de um jeito ou de outro, de práticas que demoraram a ser popularizadas nos ambientes corporativos ocidentais (o gigante oriental tem uma política muito clara sobre o uso dos recursos naturais e de como pode manejá-los em todo o globo, que não surpreende ninguém, mesmo sendo muito polêmico). Disso vemos a corrida pelo pódio de empresa com melhores práticas de ESG - nenhuma pessoa jurídica quer ter seu sistema produtivo ameaçado, e a publicidade agressiva tentando forçar os novos currículos profissionais no caminho de um corporativismo "ambientalmente sustentável" No entan...

Da autoadministração

A administração, essa ciência de e para pessoas, é cruel em sua beleza e implacável quando represada em um vórtice de idiossincrasias empresarias danosas e tóxicas. Ela exige que o gestor cumpra o seu papel, reprimindo a covardia de se eximir da responsabilidade e do poder de decidir. Ela mostra que seu cliente interno é tão importante quanto, senão mais, que o cliente externo. E pede sempre mais, em uma insatisfação constante de quem sabe que pode ter mais e melhor. Podemos sempre ter mais e o melhor recurso desde que tenhamos a ousadia de decidir, ainda que dentro do ambiente mais tóxico e improdutivo que exista. Há sempre uma decisão que precisa ser tomada. A questão é: quem tomará por você? Em um país como o Brasil, não é crível que a educação e a superação das condições anormais em que somos forçosamente inseridos sejam condições determinantes do profissional que você pode ser. É fato que "gestores" dirão que você não pode crescer mais; que o mercado quererá reprimir sua...

A desconhecida do Morro do Chapéu

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Mal havíamos saído do terminal rodoviário e o sol já havia começado a se pôr quando a mão alheia havia começado a tatear a minha calça. Ao lado, sabia, havia uma viajante cansada e entediada pela viagem ainda mais longa que a minha. Olhando pela janela eu via a paisagem deixar de ser urbana. E deixava, não completamente passivo, aquela mão passear, apertar. Libertar a mim com a naturalidade de quem toma o leite morno antes de dormir. Sentindo sua mão tremer no compasso dos defeitos da rodovia, eu via  a vegetação à beira da estrada e as peças de artesanato locais. E babava. E sentia. E gostava. Era a viagem certa, com a desconhecida perfeita.

Carta a um ausente VI

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Foto: R. R. Marajá.  Carreguei sua foto, impressa, frágil, por estados tão diferentes e com tal zelo que nada mais importava nessas estradas. Carreguei sua foto entre meus pensamentos porque mais junto que isso somente você dentro de mim, ao meu redor, sobre mim, sob mim, entrando e saindo por todos os meus poros.  Eu carreguei porque o sentimento transformou-se em sólido e utópico amor que encanta a mim todos os dias, ainda que em situações tristes ou lascivamente indecentes.  Você é meu desejo que se incendeia sobre a pele e a cama de homens e mulheres, cujas camas resistem à falta de amor e excesso de dominação.  Você ainda é o sentimento que encanta a todos em cada recanto e que se nega ser vulgarizado pelo simples fato de que é mais que o ser alguém ou estar alguém. Você ainda é e sua foto, em minha memória sempre continuará sendo o estandarte de quem eu posso ser. Mas é aqui que você fica. Olhando o sol do fim de tarde e lembrando de tantos versos q...

A última escolha

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Fonte: Rafael Rodrigo Marajá. Diariamente ouvimos as mais diversas barbaridades e que compactuam, com nosso servil silêncio, com as traduções atrozes de palavras em ações. Aceitamos a opressão travestida de democracia ditar nosso comportamento e balizar nossas ações. Deliberamos covardemente sobre como ter uma sociedade mais justa e igualitária, desde que nosso status quo não seja ameaçado pela ascensão do outro, com sua identidade e autonomia. Perdemos nosso tempo em palavras vãs sobre como poderemos crescer socialmente e economicamente sem mostrar saídas realistas, mas apenas atacamos o sistema vigente da mesma forma que velhas ressentidas atacam o clérigo por não dar-lhes toda a atenção cobrada. Somos hipócritas com diplomas, bandidos legalizados, membros de gangues aceitas pela "sociedade". Ao fim de um dia qualquer, quando o manto da noite cai sobre todos em todos os lugares e em qualquer circunstância, o que você escolheu ser te satisfaz ou te escraviza?

Premissa

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Talvez você não entenda que as máscaras existem para nos manter de pé, desejando bom-dia para os desconhecidos, sorrisos amarelos para fotografias e um sem-fim de obrigações sociais diárias.  Talvez você não entenda que apesar de ter a força de mil sóis dentro de mim, há dias que fogo nenhum espanta o frio do desalento que me ronda e me corrói o ânimo. Talvez você nunca entenda porque dentro de mim só há espaço para um - um espaço apertado e mutante. Talvez eu não queira que você entenda.  Talvez eu só queira sumir no tempo, de súbito, sem deixar a minha poeira no espaço. Talvez isso seja tudo.

Dia 06

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Minha taça está cheia de vida, esse veneno que me destrói por todos os lados e me deixa sem saídas a cada dois dias. A música preenche os recantos da casa e embaixo da escada a infância aguarda sua hora, embora há muito passada.  E eu bebo, comedidamente, a vida. Porque amanhã eu não sei se sobrará mais tempo que vida e se o que ficar for apenas meros resquícios disto que chamam de existência preciso que seja pouca a vida perdida.  Eu bebo a vida sem a prepotência de ser grande, apenas com a certeza de ser a minha. E isso basta.

Eu estou, nunca sou

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São quilômetros percorridos com adversa vontade para confirmar as verdades proferidas por Kant sobre a disciplina. Metros que nos separam e nunca nos une. União e amor, seria possível a existência simultânea dessas utopias? O que me resta não é a crença utópica em delírios sobre amor e união, como o marketing voraz tenta me vender, mas a fé em mim e no que posso fazer com o reconhecidamente pouco que tenho. E não me tenho, não te tenho, não nos tenho. Sobra-me bons momentos, recepções ímpares, estar sem nunca alcançar o ser. Abaixo de mim tocam-me músicas. Acima de mim não há nada. Eu estou a cerveja, o delírio, a chegada, a partida, o estar. Eu estou. E isso é tudo.

Sempre esquecemos o mais importante

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Aquela sensação de esquecimento vai corroendo as bordas da empolgação como um ácido fraco e persistente que foge do encapsulamento pseudo seguro.  Pensamos que esquecemos de fechar a válvula do gás, apagar a luz, trancar a porta, guardar a comida na geladeira, fechar todos os registros.  Que bobagem crer que não vamos esquecer de nada e acabamos esquecendo sempre as coisas mais importantes e, por isso mesmo, as mais bobas.  Esquecemos até do tempo, esse mesmo tempo que fingimos apreendê-lo em relógios, smartphones, números em agendas e, no auge de nossa pretensão, em fotografias e vídeos. Esquecemo-nos dele e ele jamais nos esquece.  Na rodoviária o rapaz passou correndo, um foguete em meio à babel de caixas, cores, pessoas e emoções, para não perder o ônibus que acabara de fechar a porta. O tempo não espera por ninguém. O motorista, imitando esse Deus implacável, também não espera, embora pudesse e devesse, em nome do bom atendimento ao cliente.  O ...

Inverno particular

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O portão indica quando o inverno está próximo - a fechadura sempre emperra em dias cinzas e úmidos, parece até que ele é sensível como aquela música invernal da Adriana Calcanhotto.  Nesses dias a rua alaga, como sempre acontece nos logradouros calçados apenas nos papéis burocráticos da prefeitura, e pedestre algum consegue transladar-se sem perder o resto de dignidade que sobra em um saldo de vida ridículo. Na rua, entre poças e lixo, os gatos nos observa com a altivez característica dos animais exaltados. E quem não se sente abandonado entre tamanhos descasos? Quem não gostaria de poder trancar-se em casa, esperando que tudo passe, menos a chuva? Existem abandonos cruéis demais para serem descritos e momentos tristes demais que caem na conta do cansaço diário.  Não água fresca sobre nossas cabeças e nem redes que nos descanse. Só uma incessante reunião de impossibilidades impostas goela abaixo. Abaixo de nós há somente escombros de sonhos e nada mais. Eu vi o gat...

Dias ruins e dias de chuva

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Há dias ruins e há dias de chuva. Nos dias ruins tudo acontece - a impressora quebra, o colega de trabalho adoece, a comida azeda, os funcionários do transporte coletivo entram em greve, a dona da empresa procura o que não deve e você cansa antes do meio-dia, pensando na vida de merda que o populacho tem. Nos dias de chuva desliga-se o ar-condicionado, come churrasco ao sabor da cerveja, assiste um filminho, paquera velhos amores enquanto encanta novas paixões e perturbação alguma tira o seu sossego. Acontece que dias de chuva e dias ruins podem coincidir, cruelmente, como se fosse uma brincadeira dos Deuses.  Então você para, chama um motorista pelo aplicativo e vai embora com a fé de nunca mais voltar. Ocorre de uma cerveja estar esperando junto com o carro e o motorista, alugados a preço popularmente inflacionado, como uma surpresa boa.  Você só precisa ir embora, ouvindo a história alheia, como quem lê a seção de crônicas burlescas de um tabloide qualquer. A vi...

Eu apenas queria que você soubesse

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Eu queria que você soubesse que na minha cabeça, enquanto ando por aí de ônibus lotado e em ruas sem nenhuma infraestrutura, tocam músicas de Gonzaguinha que, por vezes, não me deixam desistir.  E eu já desisti todos os dias durante anos. E Eu apenas queria que você soubesse tocou várias vezes, só para mim, em meus miolos, enquanto a mulher do Acarajé grita a plenos pulmões às minhas costas e o vagabundo incomoda o jovem do lado, no terminal lotado no ocaso dos dias - dias sempre iguais, banais demais. Hoje, porém, diferente de Gonzaguinha e usando sua oração tão linda, eu apenas queria que você soubesse que aquela alegria não está mais comigo há tempos; que meu corpo sangra, de dentro para fora, conotativa e denotativamente; que eu fiquei na estrada, alguma estrada vicinal perdida entre a Bahia e Alagoas, em um dia quente, com fome e sem ter para onde ir, ou fugir; que não acredito mais em amores, nenhum; que a vida é um estar e nada mais que isso.  Eu apenas que...