22:31 - Tempo gasto*
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Fotografia: Campden Hill. London. Bill Brandt. April 1949. |
O tempo que a pessoas gastam contigo é exatamente a expressão do quanto te valorizam.
A chuva cai. A noite
cai. As pétalas de uma flor caem. A pele cai sobre outros pedaços de pele. Os
olhos deixam cair tudo aquilo que não se pode conter porque é grande demais
para ser digerido por uma mente tão cansada e tão resistente às intempéries de
uma tempestade nas ilhas de granito de uma costa qualquer.
E quando os ventos
trazem chuva, dizem que não pode aparecer. Quando o sol está alto e o cheiro de
terra se mistura com o de gente, dizem que não pode ir ao passeio. Quando a
maré baixa disputa com a alta por uns momentos de alucinações, dizem que não
pode estar presente, pois não há cais.
E quando estará,
presente, mesmo através de feitiçaria?
O tempo não perdoa,
apesar de seu poderio inabalável. E quando se fala em tempo também se fala em
valor, pois o tempo, mais que o metal e a pedra preciosa, quantifica, expressa
e denomina o valor que um ser tem para outro, sem necessidade de palavras. E quando o tempo é pouco, não mais que uns
minutos, ou muito, incontável, é através dele que se pode ter uma noção exata
daquilo que a outrem significa.
O tempo é duro, ainda
mais que a verdade, mas quando esta falha, o tempo é suficiente para mostrar
tudo aquilo que se esconde por trás de um cumprimento formal, forçado,
fatídico.
O tempo que a pessoas
gastam contigo é exatamente a expressão do quanto te valorizam.
E se gastam pouco seja, talvez, para
dizer que não significa muito, o ser cujo aspecto não cabe em uma micro tela.
Quando o ser não significa muito, ou nem chega a significar, é normal que
exista um tédio a rodear as palavras banais desse e faça que seja uma
obrigação, e não um prazer, falar, escrever, ouvir, pensar sobre o em que disse
aquele. Ou seria aquilo?
E enquanto um não vale o desprezo de uma
mensagem perdida entre linhas de transmissão, ou um vocábulo maior que duas
letras, ou uma sinceridade, ou uma deferência simplória, ou um simples diálogo
sem compromisso, ou a contagem exata do tempo.
Mendiga-se por um minuto e corre-se para
o encontro em que o atraso não perdoa. A espera, ao que sempre parece, é
fastidiosa demais para algo mais além que o intervalo entre um serviço e o
almoço, ou entre o fazer nada e correr para o gastar de tempo em melhores
afazeres.
O mal não está em não se ter tempo; em
não querer se entregar a uma conversa; em somente entediar-se e sufocar-se com
uma falta de assunto interessante, quem sabe. O mal se encontra nos meandros do
relógio e daquele não querer que quer e que reluta em aceitar que talvez
fizesse sentido escorraçar, maltratar, quebrar em pedaços algo que rachado e
sem tanto valor, porque é feito de fitas, papel e cola.
As pessoas valorizam sua força servil.
Olham para sua roupa e analisam-na, comparam-na, medem-na. As pessoas são
cruéis quando fingem ter tempo e quando fiam uma conversa sem nexo....
*Do livro Pavilhão do Vizir, Rafael
Rodrigo Marajá
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