22:30 - A pena da realidade *

Obra: Love. Adam Fuss. 1992. MetMuseum.

Não te darei joias, nem ouro, nem prata, nem pedras preciosas. Não te darei casas, praieiras ou campesinas. Não te darei automóveis, antigos ou ultramodernos. Não te darei um buquê de flores no inverno, nem uma rosa na primavera. Não te darei sorrisos largos quando eu estiver triste, nem contarei piadas para disfarçar-me. Não serei lindo como modelos, nem terei o maxilar quadrado – mesmo com cirurgia plástica. Não farei loucuras para te dizer aquilo que é inexpressivo. Não serei tua alegria todos os dias. Não serei tua tristeza sempre. Não serei tua razão de viver. Não serei tua angústia. Não serei tua palavra mais doce. Não tocarei violão à beira mar. Não vestirei calças quando houver um féretro. Nem serei hipócrita ao sorrir para uns tantos conhecidos. Não gostarei de todos os que chegarem perto de ti. Não chegarei na hora certa sempre.
E, com um pouco de boa vontade, verás que não sou perfeito. Também não sou tão defeituoso. E verás que mesmo sujo de lama, após um longo dia de trabalho na chuva, eu ainda tentarei chegar limpo para dar-te um abraço. Que mesmo estando triste e zangado, eu ainda estarei sorrindo quando me olhares nos olhos. Verás que não me importam quantas derrotas me foram infringidas durante um dia ou semana, eu ainda vou estar orgulhoso ao te encontrar, minha maior vitória. Verás que meu mundo é grande, cheio de meandros, vielas, ruelas, esconderijos, fortalezas, planetas e sóis, mas que as portas e as chaves estão à tua mercê.
De tudo aquilo que não te dou e que não poderei ser só não serei teu carrasco. Minhas flores poderão durar só algumas horas, menos que as de buquês e podem ser efêmeras demais. E apesar de tudo, lutas por mim?
Lutas com todas as tuas forças e vontades? Lutas com todo o bem querer e com todos os problemas? Lutas com carinho e gritos? Lutas com todo o teu ser e com toda a tua graça?
Luta por mim!
É o que eu grito em silêncio quando seguro tua mão, nas viagens e em todas as noites em que a distância me faz passar de feliz a triste. Não me deixes largado à deriva de um mar revolto qualquer, onde nem medo, nem felicidade, nem verdade, nem mentiras podem me aterrorizar, porque o pensamento está blindado para sobreviver a tudo, e resistir até entrares no campo de batalha e me ajudares a sorrir.

Não te decepciones, eu não sei ainda o que sou para ti e para mim.


*Do livro Pavilhão do Vizir, Rafael Rodrigo Marajá

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