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Mostrando postagens de agosto, 2022

O chicote

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A classe média, assim como as outras classes, nunca muda. Apresenta peculiaridades quando é do interior, mas sempre discursando palavras macias com o chicote nas mãos. Outro dia, andando nos bastidores empresariais dessa classe média, eu ouvi e vi as ações terríveis que o chicote do salário faz nas pessoas e as coisas que estas precisam fazer para a bajulação de todos os dias (isso ou o olho da rua, a escolha é simples). Um chicote que humilha, objetifica e sacrifica pessoas.  Seria o salário ruim? Obviamente ninguém trabalha de graça. Porém, ninguém precisa rebaixar-se à vileza para poder sobreviver. No entanto, é isso que a classe média, crendo-se dona do capital, provoca nos pobres.  Ah, os pobres! Doutrinados, manipulados, execrados, nunca deixam de ser a autoafirmação que a classe média e a elite precisam para sentirem-se dignas de atenção, sempre dos pares. Os pobres que carregam o peso da própria existência e do luxo de poucos são os mesmos que temem perder ...

O antibiótico para o defunto

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Tem dias que parece que estamos em uma novela tragicômica que somente a literatura brasileira pode produzir e que sai da criatividade do semiárido baiano. Hoje mesmo a rotina estava naquela tranquilidade das terças-feiras invernais que não sabe o limite da realidade  quando, lá para o fim da manhã, no minuto exato quando o almoço de alguns esfriava no prato e outros passavam a fome do meio-dia devido ao sistema massacrante do capital financiador do bolsonarismo, repentinamente, fotos de coroas de flores chegam no aplicativo de mensagens instantâneas.  Quem morreu?  Ninguém sabia! E nem tão rápido quanto o recebimento das mensagens, descobriu-se. Lá para as bandas de Irecê um defunto esperava, putrefazendo-se, suas coroas de flores e sua roupa fúnebre para que os curiosos pudessem dar a última escarrada verbal em sua face antes que se transforme em adubo orgânico. No meio da madrugada, porém, uma pessoa agoniada e que perdeu a hora, foi lá e pegou a última reverência ao mo...

Quanto custa a sua vida?

Quanto custa a sua vida? Perguntando assim, à queima roupa, há o escândalo e a ojeriza. Porém, reparando bem, talvez você não a valorize como pensa. Pela manhã você acordará cedo, talvez o sol ainda nem tenha raiado, quando a água chocará o seus sentidos e um alimento profanará o seu corpo por dentro. Na mente você amaldiçoará a hora em que aceitou esse destino que é trabalhar para outro, aceitando a humilhação de um salário mínimo em um país em desenvolvimento.  Quanto custa a sua vida? Será R$ 7,00 por hora ou menos?  No fim do dia, vistoriando as redes sociais pela n-ésima vez, muitas das quais escondida do empregador que insiste que você deve dar graças ao Deus dele pelo emprego que tem, verá alguns na praia, outros em shoppings, um punhado na academia e centenas de outros que seguem, como você, a vida que gostaria de ter.  No fim do dia, com os olhos cansados e um corpo moído pelas humilhações que não precisa suportar, você se preparará para mais um dia nessa rotina....

Dependência e imbecilidade

Criados para a extrema dependência, temos à disposição rede de Internet em quase todos os lugares, alimentos ultraprocessados fabricados para o vício e a doença, automóveis que nos limita e dá status social, casas inseguras e frágeis recobertas com a vergonha de não ser em um endereço valorizado. Dependentes e imbecilizados, a fome bate à nossa porta com força e insistentemente parece não querer ir embora. Vítimas de nossas próprias escolhas, estamos no caminho do degredo. Agora estamos em nossos lugares com o que se passou a considerar essencial- internet e um smartphone. Com um aplicativo ou dois fingimos felicidade e invejamos a vida alheia. Entre uma inveja e outra, deixamo-nos influenciar por alguém que diz que é melhor comprar muito mais coisas inúteis.  Quem sabe, na extrema pobreza que nos jogam (cada dia um pouco mais) e nos pretendem manter, possamos entender que há vida fora da fantasia virtual - se não for tarde demais.

Aviso

Estarei sempre além da definição. Sou o que quero ser, quando quero ser e sempre que desejo ser. Nunca estou. Sempre sou.

Oração a Oxóssi

Senhor de uma flecha só                                           Apontai-me o caminho na mata escura  Senhor do silêncio caçador                                               Ajudai-me na arte de silenciar Senhor da abundância                                       Olhai por mim na adversidade Senhor dos caboclos                                     Sustentai-me nesse meu caminhar  Senhor Deus dos tambores e das peles de caça                                      ...

O drama de todas as manhãs

Todas as manhãs é um recomeço e há sempre o que observar.  E se você trabalha para a iniciativa privada precisa compreender que todas as manhãs é sempre a mesma ladainha: reduzir custos, enxugar a folha de pessoal... Todas as manhãs você precisa lidar com o estrelismo de uns, o amadorismo de outros e com o medo de todos sobre aquele assunto - a demissão. Ficar impassível frente a tantas emoções, que nem são tão conflitantes assim, é ter a plena certeza da lama por onde anda, do próprio valor e das possibilidades que podem aparecer quando o terremoto do querer natural e explicadamente ganancioso do proprietário do capital abala as estruturas matinais. Todos os dias é o mesmo drama.  O problema mesmo é quando você se coloca na situação de mendigar um trabalho que mais se parece com um grilhão do que com um meio de vida ou de objetivos.  É sempre bom lembrar, em meio ao drama real de todas as manhãs, que você é maior que um trabalho, que uma empresa ou uma carreira. Se você...

Solitariamente em boa companhia

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Só nas últimas 24h eu pedi ao zelador para olhar o meu chuveiro elétrico e desentupir o ralo do  banheiro, questionei a minha utilidade no trabalho, recusei ser trapaceado no mercado, corrigi o preço do quilo da goiaba na quitanda (o rapaz queria vender goiaba pelo preço da pêra), manifestei-me fervorosamente contra o racismo e o preconceito estrutural que querem manter sobre os Orixás, dormi, comi, defequei gostosamente, cuidei de mim, possui o corpo alheio, excluí aplicativos do meu aparelho móvel, comprei bolo e canjica (e comi), mandei mensagens que não serão respondidas logo, desisti de estudar a mais, estudei o suficiente, fofoquei, falei com pessoas que se interessam por mim e eu por elas, verifiquei textos esperando a publicação em revista, pensei em criar novos perfis com os mesmos nomes, pensei em ex-pessoas, imaginei cenários, interagi em lives,  assisti um filme... E mesmo assim não abri aplicativos de redes sociais para informar ao mundo a insignifican...

Dos grupos virtuais

Em um desses inúmeros grupos de inutilidades e futilidades que nos colocam sem expressa permissão e que somos obrigados a permanecer por um tempo mínimo para não causar constrangimentos alheios acontecem as mais diferentes asneiras e loucuras gráficas. Dia desses começou uma discussão, em um desses grupos, sobre o baixo valor das ajudas de custos que uma certa instituição de ensino pretende fornecer aos discentes. Entre fervorosas defesas e aplausos virtuais alguém jogou na roda de debate: o que é Cadúnico? E então, para os entendidos e os que precisam desse cadastro, a discussão  os aplausos, o fervor - tudo acabou da mesma maneira que começou, repentinamente. Isso porque se uma pessoa que sequer sabe o que é o Cadúnico jamais poderá compreender como ajudas de custos, bolsas de apoio à permanência acadêmica e todo o aparato que o Estado pode e deve fornecer aos discentes em vulnerabilidade social são fundamentais para a redução da desigualdade social e o desenvolvimento da socieda...

A força insolente

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Eu poderia dizer, ébrio como os amantes da madrugada, tal qual o poeta, que a casa é sua. E, recordando fantasias que só existem na deturpada lembrança de tempos idos, poderia invocar uma realidade descabida e órfã. Mas a infernação acabou.  Não existe mais delírios amantes ou fantasiosas realidades. O amor, que nunca existiu, deixou o espaço livre.  Os quadros de vulva, da mesma ordinária vulva, deram lugar a falos de todos os tipos.  Agora é a madrugada boêmia, desejos pululantes que tomam conta da rua, palavras que surgem depois dos atos (nunca mais o contrário).  E posso ver seu sangue pulsando de ciúme e ira a quilômetros de distância como se eu fosse um tubarão sempre faminto e você, destituída de toda a humanidade, um animal sangrando em mar aberto. Eu vivo em mim e para mim em meio a xerófilas, negros costados, fortes pernas. Eu tenho em mim a força da semiaridez e o timbre do vento nas folhas secas. Eu sou o desejo encarnado e a própria tormenta ...

Sem perdão ao liberto

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Nem bem o comércio abriu as portas e o horário de trabalho começara e lá estávamos nós, reunidos em solene obrigação de desgraçados que não nasceram abastados - trabalhando ao som das correntes virtuais e do chicote da falta de privacidade de câmeras e microfones em todos os ambientes. Não bastasse isso, ainda tinha a infernação de ter que olhar para a novidade no outro e ter que acha-lo bonito com falsas expressões de admiração. Aprovar cada inutilidade que o outro faz é rebaixar-nos à mediocridade imperdoável. E isso, jamais. Embora a vida seja banal cotidianamente e tenha eventos desagradáveis dia sim e dia também, é demais ter que carregar o peso da nossa existência e a obrigação de aprovar, por convenção social, as banalidades alheias. Livrei-me do peso de amizades escabrosas, falsos amores, ilusões pobretanas, obrigações sociais.  Livrei-me de relações tóxicas (com a exceção da minha própria tóxica companhia) e dos subornos e ameaças cristãs. Livrei-me de tudo e d...

Um pobre em desabafo

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Caminhando por essas ruas em que gente da classe média não se digna a andar a pé, sinto o chão com os meus pés calçados em um tênis sem solado inviolado - quando chove sinto a água que entra e encharca a meia e quando o dia é pleno verão sinto o calor que se desprende do asfalto. Ouvindo o drama alheio sobre o preço da gasolina, penso que o meu almoço do mês inteiro poderia ser pago só com a parcela do carro alheio ou com o valor semanal do combustível. É a realidade de cada um que nos oprime em castas sociais em um país de pobres, de famintos e de mal-remunerados trabalhadores.  Tenho então a impressão de estar desperdiçando a minha vida durante as horas de um trabalho que me empobrece como indivíduo e que, simultaneamente, enriquece aqueles de casta superior. Tenho fome que nunca acaba.  Tenho cansaços que nunca cessam. Tenho desejos que existem apenas na utopia do sonho acordado. Tenho o não ter. E tudo isso é só o que tenho.

Manhã alegremente cadavérica

Já era o meio da manhã, aquele ventinho frio entrando pela recepção e indo até nós lá dentro, onde outrora foi o quarto de um alguém vaidoso, quando a ambulância estacionou perto do letreiro luminoso, apagado porque era dia. Um alvoroço tomou conta dos ambientes em um quê de insana curiosidade por uma pessoa mal-nascida e impregnada com as malezas da carne. Olhando de longe os transeuntes poderiam pensar que o instinto maternal atacou-lhes as entranhas e o amor, psicodélico e quimérico, emanava pelo ar e através de mãos contaminadas pela ganância. Sim, pensariam todos os caminhantes que cruzasse com a mimetizada cena.  No fundo, sob o manto de falsas bênçãos, está a curiosidade pela morte alheia, pela doença que devassa o corpo de outrem, pelo dinheiro que surge do chão sempre que aquele cadáver andante esterta vida.  Abutres que vivem da desgraça alheia, como os homens e mulheres de bem que controlam o vai-e-vem da rua (sempre pobre, sem asfalto e cheia de lixo), estavam todo...

A banal oração

Nem havia aberto os olhos e o barulho já tinha entrado no quarto pelas frestas da porta.  Palavras proferidas em alto tom, parecendo uma briga, que vinha de algum lugar perto. Com o passar dos minutos e o sono se afastava, a voz parecia lamentar, depois pedir. Tudo, em menos o que ela mais queria - clamar. Era o pastor assembleiano, que anda na boca do povo por fazer coisas que o Livro condena, orando pela vitória da esposa em algo banal. Um dia, se esse Deus hebraico existir e eu topar com ele, irei perguntar se esses ministros não poderiam gritar mais baixo ao amanhecer ou se quanto mais alto mais chances de conseguir a banalidade pedida. Meus olhos abertos, vasculhando as mensagens urgentes de um trabalho fundamentado na decadência do corpo humano, tornaram-se despertos só pela gritaria.  A religião que embrutece e emudece os fiéis já tornou a sociedade doente. E só de doenças anda vivendo o brasileiro cristão.

Filho do Fogo e do Trovão

Eu sou o fogo que incendeia a lenha seca  Que provoca a fumaça  Que ilumina Eu sou o fogo que obscurece as luzes ao redor Amedronta Encanta Aquece Eu sou o raio que toca o chão  E transmuta em labareda E arde Eu sou da realeza do fogo Cordas que ecoam o brado Dele Metal e madeira do Machado Eu sou o fogo Eu sou a ferramenta Eu sou o filho O Leão caminha ao meu lado E rugi à menor ameaça  E eu sinto sua força a cada manhã  O Rei brada na pedreira  E eu sou o eco da sua justiça  Na mina Na rua No Palácio  Eu sou o brilho que nunca cessa O fogo que nunca apaga A alteza descalça