23:58 - Insolência*
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Quadro: Venus and Adonis. Tiziano Vecellio. |
Não pergunte quando vou deixar de te amar porque a resposta pode ser dura o suficiente para quebrar tuas pernas em pedaços pequenos demais para serem colados. E não perguntes se ainda te amo já que não desejas ouvir coisas desagradáveis. Não vou medir palavras para a realidade jogar à tua face quando o dia chegar e eu tiver que dizer com a sinceridade dos deuses pagãos tudo o que necessitas ouvir daquele que julgas ser teu amado mais fiel.
Não faças de questionamentos insolentes
o fim do meu parque de diversão preferido, tampouco torne tudo mais difícil do que
já é. Procura não derramar teu pranto falso nos meus lençóis limpos, nem deixar
marcas no meu bem mais precioso. Aceita que nós dois somos frutos do descaso e
isso torna-nos feitores do mau amor e do mal feito a inocentes criaturas, mas
não vítimas do nosso próprio veneno.
Se perguntares quantas vezes atento fui
a teus detalhes a resposta será a dureza pesada demais para ser carregada em
uma única vida, pois tua insignificância serve-me apenas para tornar risível os
minutos amorosos que tantos gostam de exaltar e esconder o animalesco movimento
que propõe a continuidade da vida e o escárnio do homem.
Se perguntares quantas vezes a
felicidade tocou-me com seu cedro milenar receberás um descarrilar de ofensas
tão obscenas que não perguntar será a primeira resposta mais óbvia articulada
por teus ouvidos inférteis.
Fica à vontade para te vestires com o pudor
que desejares e ruborizar-te, chorando, quantas vezes quiseres e te dispuseres.
No entanto, não peças que dessa farsa eu tome parte e acompanhe o ridículo que
nos cerca nessas cenas deprimentes.
De pequenas atitudes somos feitos e de
poucas palavras precisamos, então, não lances mão de discursos elaborados na
fase espelhar da diminuta vida que tens. Espera sair de dentro tuas verdades e
mentiras e verás, na claridade da razão, quantas coisas foram de fato ofensivas
a tua figura, que não é feminina nem masculina, nem cristã nem pagã, nem rica
nem pobre, nem bela nem horrorosa, neste momento de sinceridade absoluta que
tanto desejavas.
Guarda a realidade no bolso e encara-a no
espelho de qualquer pulguedo onde desejares ver, só não me perguntes mais.
*Do livro Pavilhão do Vizir, Rafael
Rodrigo Marajá
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