23:25 - Meu lar*
E no meu castelo o ouro está espalhado pelas paredes, em corredores imensos cheios de fotografias e muitas flores, o assoalho está coberto de poeira cristalina, vinda especialmente da estrela da manhã, uma planície repleta de segredos a desvendar por aquele que caminhar. Um olhar mais atento e poderá ver, entre as pedras de mármore e as cortinas vermelhas de seda, as marcas de rostos desenhados a óleo por desconhecidos artistas, retratando ora a alegria e o calor de um conto segredado entre o ator e o autor.
Nos quartos mandei colocar muitos tipos
de toalha, para quando o calor atacar, no meio da noite ou no pico do dia,
possa o visitante deliciar-se com as fontes de água pura construídas nos
aposentos sempre e todos reais. Tirei-lhe a visão do jardim, pois as flores são
feias durante a manhã e no período da tarde não gostam de ser vistas sob a
nudez da luz fria do crepúsculo. Também destruí as alcovas e reconstruí-lhes
novas, em todos os aposentos, para que males de seres ocupantes não invadam o
sono dos que desejarem repousar em meus domínios.
Na sala terá sempre uma reprografia de
pinturas exóticas e pitorescas para que a rotina não o canse durante as
refeições e na hora de repousar os problemas sobre estofados e mesas de bilhar.
Não se sinta constrangido em quebrar a louça no momento de raiva ou desamor
pelo mundo medíocre que o cerca, porque de todos os investimentos feitos, parte
deles foi em louças quebráveis da melhor manufatura que existe.
Na cozinha não estão os melhores chefes
que existem, tampouco sabem fazer do simplismo dos grãos obras espetaculares
das quais a vontade de sumir se evade deixando apenas à apreciação o desejo de
ver e comer pelos olhos. São pessoas de pouca instrução, selecionadas a dedo,
que se dispuseram a servir a qualquer hora.
No jardim poderá encontrar inúmeros
números nas pétalas das flores, nas árvores, na grama e no passeio com os quais
poderá indagar a razão de tamanha loucura vista e revirada no mundo dos
vegetais. A razão da existência de tamanha loucura é o mesmo motivo pelo qual
não podes ir muito além das minhas terras, não há, fora do meu domínio, região
segura para o seu caminhar tranquilo. É para a tranquilidade dos seus passos
que cerquei os rios, existem muitos perigos nas sinuosas ondas desses que vêm
de outras regiões promíscuas.
Não se sinta preso, estarão sempre
abertas as portas e as passarelas, todas as vozes sempre irão dar-lhe as
informações necessárias para seu conhecimento e liberdade. Dos vilarejos e
cidadelas sempre terá local de abrigo e o alimento ser-lhe-á dado quando mais
precisar. De sorte também receberá muitos presentes, embora a maioria precisará
deixar para trás para que o peso de coisas inúteis, mesmo que belíssimas e inestimáveis, não se torne insuportável no
translado desejado.
Mas se quiser ficar e tomar posse do que
lhe dou como presente pode sentar e aproveitar esse fim de tarde, o chá será
servido a todos e de cada um receberá histórias interessantes para o seu
entretenimento particular, quando o sono teimar em não aparecer na véspera de importantes
dias cujo sentido só poucos e raros amigos sabem em seu íntimo.
*Do livro Pavilhão do Vizir, Rafael
Rodrigo Marajá
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