Olhar de Jeca
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Fonte: MetMuseum. Asher Brown Durand. |
No céu, em
veludo negro, a lua reflete sua luz em uma terra ainda quente. No quintal, em
meio ao lixo de dias e dias acumulados, com uma galinha que não voa de um lado,
um jeca fala à lua seus desânimos. E chora. Chora baixinho, quase fazendo uma
prece ao Deus que habita no Alto e dentro de si. Chorando, com amargura de uma
vida que não sai do ato simplório de plantar e colher – trevas, tormentas,
furacões e tempestades – o jeca deixa de lado os agradecimentos e lembra das
agruras.
Em meio às
cascas de coco, restos de comida, latas amassadas, pedaços de pau, bosta de
galinhas, com gabirus andando ao longe e aves de rapina sobrevoando o céu
claro, Jeca tenta, e não consegue, lembrar quando deu a si o luxo de pensar na
vida, de onde veio e para onde vai. E não lembra. Não consegue dizer se vai
para algum lugar depois que o corpo engelhado pelo sol e enrugado pelas
preocupações mesquinhas cair jazido na mesma terra que não rende o pão no fim
do dia.
Uma brisa
fresca, prateada pelo luar, acaricia-lhe o rosto ferido e quando as mãos
grossas pelos calos da lida encostam no chão, procurando respostas que não
chegam, uma lágrima escorre pelos riachos secos da pele, irrigando as
esperanças arquejantes para mais uma noite sem sonhos, sem respostas, sem
linhas escuras escritas na borda da lua.
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