Fogo-fátuo


Obra: Tables of  Ladies. Edward Hopper. 1930.


“Era um amor doente, desesperado, que a consumia como uma chama.”

Fogo Morto, José Lins do Rêgo.


Era indecente. Vulgar. Um sentimento tão baixo quanto a própria prostituição e que lhe tirava a paz, a calma, o sossego de um amor inocente. Esse sentimento que lhe arrancava a roupa, queimava-lhe a pele e fazia-lhe ter  aspirações perigosas, era um amor ejaculado, rasgado, mordido; depravado.
Tinha a consciência da destruição que acompanhava o desejo. Sabia que arrasaria cada um que tocasse. E se não poderia ser tudo o que almejava, seria apenas a si própria, queimando na fogueira de um amor violento, de paixões tão diversas e insaciáveis quanto a imaginação humana. Era sua própria consciência, seu acusador, promotor, juiz e algoz. A cada dia doía-lhe as mãos, os olhos, a boca, as pernas pela falta de mais amor, mais paixão.
Não era os músculos nem um rostinho bonito o que desejava. Não era carro e grana o que a atraía. Não era um conto de fadas o que buscava. Nunca fora. Queria ser puta. Meretriz rasteira de esquinas, bares de balcões ensebados e paredes enegrecidas. Mulher vulgar de homens fracos e amantes sem frescura.
E era.
Era santa puta de bêbados; virgem arrombada pelos maloqueiros; acompanhante depravada dos ricos.

E aquela indecência, a devassidão pura e simples que a nada jamais se negou, escondia apenas a vontade de matar um amor mais destrutivo que as marcas do tempo na pele. Escondia, olhando para outros, gozando com outros e gozadas levando, a imagem casta de beijos simples e amantes que jamais poderia voltar a dar. 

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