Meia vida de domingo
Entre sombras que abrandam o calor do sol em um inverno incerto e risos sapatônicos no fim do corredor há aplicativos que nos roubam de nós, amortecendo as atribulações que nos auto infligimos; há pensamentos que se escondem entre escombros de sonhos; há fragmentos de uma pessoa próxima da esquizofrenia.
Acabamos por deixar que algoritmos nos digam o que comer, como viver, de que forma trabalhar. Permitimos que nos ditem os passos da felicidade que, assim como o corpo perfeito, jamais atingiremos sem uma imensa equipe de marketing.
E seguimos sendo imperfeitos, moles, redondos, com o cabelo mal cortado, com a comida menos fotografável, adjetivando redes sociais e nos sujeitando ao segundo plano de histórias próprias e pessoais.
A igreja neopentecostal já terminou os trabalhos de lavagem mental dos pobres que a frequenta todo domingo de manhã. Agora os velhos e os animais podem sentar do outro lado da rua sem o incômodo de um deus ficcional a olhar-lhes por meio dos olhos de fiéis celerados.
As sapatonas do fim do corredor, excitadas como cães machos no cio, seguem gritando por bobagens transmitidas via streaming e incomodando os vizinhos mais pacientes - mulheres são mulheres, mesmo que "pequem contra a natureza", como dizem os crentes da aberração cristã da outra rua.
A rua segue quente e suja.
A vida segue interrompida por telas.
O domingo vai terminando a sua meia vida.
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