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Mostrando postagens de março, 2021

Crônica de uma vida insuficiente XXV

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Tem horas, muitas até, que bate o desânimo e a desesperança. São tantas injustiças, tanta crueldade, tanto querer insatisfeito que chega a sufocar e a nublar o futuro e o presente. Nessas horas a fé é questionada. E nesse embalo entram indagações sobre o objetivo de  cada ação, de cada conquista,  de cada esforço. E ninguém pode ajudar porque isso é tão íntimo que chega a ser inútil qualquer tipo de explicação ou consolo. A vida sempre é insuficiente nesse vale de lágrimas. Nela sempre há de faltar o que a inveja deseja, o que o ciúme avara, o que a mesquinhez persegue. E sempre haveremos de querer, como o Devorador, do que é do outro.  Nunca satisfeitos, a vida segue insuficiente.

Uma Terra Estrangeira I

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Avalie que a vida tem das suas revoltas e reviravoltas. E aqui, numa terra já pisada por muito (antes mesmo que esta zorra se transformasse em piada), parece haver de tudo. Há curvas que vêm dar em minha porta e um sol tão quente que parece frio. Um povo que tem uma fama de preguiçoso, mas que até agora todos que conheci têm dois empregos. Nessa terra de magia, fetiche e fantasia parece haver gostos secularmente peculiares e que eu vou demorar a provar para saber se gosto visto que são muitos. Mas avalie que a vida é isso mesmo - um estar em terra alheia até ser nossa também.

Trabalhador Brasileiro VI

Todos os dias, com chuva torrencial ou sol ardente,  com pestes diversas, o trabalhador brasileiro, amedrontado e subserviente, segue para o trabalho em ônibus lotados. Sentados próximas a ele estão a inflação, a Covid-19, as IST's,  a violência, a fome, o desprezo, a educação precária, os preconceitos, as humilhações e as escolhas para manter um status quo de assalariado que deseja ser chefe, opressivo, maléfico, cruel. O Trabalhador Brasileiro é o primeiro que morre. Substituição e dispensa certas sempre que a economia vai mal e cortes, nem sempre necessários, têm que ser feitos. Nem sempre vítima, mas sempre motivo da manutenção dos grilhões que aprisionam as gerações presente e futura, o Trabalhador Brasileiro teme a fome, mesmo passando fome todos os dias.  É massa de manobra voluntária. Rebotalho de gente. Opróbrio do capitalismo. O Trabalhador Brasileiro mantém uma estrutura de poder que o extingue aos poucos. E ele parece gostar disso. 

Crônica de uma vida insuficiente XXIV

 É meio-dia.  A vizinha da frente, como de hábito, está na porta, solitária, olhando uma rua que a ninguém interessa - seja pelo lixo, seja pela inexistência de algo interessante. Ela fica sentada à porta sempre que a cerveja acaba e os amigos de copo se vão.  Uma vida baseada em agradar para não ficar sozinha é inútil, triste e deprimente. O rosto está queimado pelos raios de um sol inclemente. Suas expressões, embrutecidas pelas ressacas e por sonhos não satisfeitos, derretem com o passar do dia. E mesmo a música, a carne assando na churrasqueira e a cerveja, nas várias vezes que promove  seu sadio divertimento não são capazes de alegrar, o coração e a alma, desse periférico cotidiano. Um dia ela vai morrer e o que terá para deixar como lembrança? O álcool, os amigos, as carnes digeridas - nada será seu epitáfio.  

Carta a um Ausente II

Hoje aquela cantora tocou na playlist aleatória. E cantou aquela música. Onde você estiver, com quem estiver, espero que esteja bem, fazendo o que gosta. De minha parte eu tento, embora nem sempre consiga (ou consiga e eu esteja sendo apenas ingrato, como sempre).  Sim, sem fotos e sem áudios.  O meu rosto não continua o mesmo. Um pouco mais velho e um pouco mais tratado.  A minha voz, sempre a mesma decepção.  De novidade tem a vida, que não para, não estagna, apesar dos esforços de alguns em me diminuir à mediocridade deles. Os medíocres sempre tentam boicotar os diferentes e os que não querem mais. O preço por não se curvar a injustos e medíocres nem sempre é barato, mas sempre vale a pena. Hoje não choveu e o casal do dendê me abençoou hoje. Saravá! Peço que ouça Onde estará o meu amor , na belíssima voz de Maria Bethânia. Dessa bela canção você entende o resto. 

Crônica de uma vida insuficiente XXIII

O chão da sala amanheceu com os resquícios do amor saboroso e com a história dos viventes contados pelo lixo comum. Fios de cabelo, pelos brancos e pretos, algodão e forma de disco, palitos de fósforo, tiras de sacolas plásticas. Esse chão já viu dias piores. Lágrimas, brigas, desentendimentos, restos de comida, esperança e desespero. E se ainda resiste é porque resiste também a fé humana em pessoas, mais nas mortas que nas vivas. A cama continua bagunçada e o feijão preto está no fogo, cozinhando também o tempo. A vida é isso. Não apenas isso, mas isso também. A vida está nos pesos que arrastamos de um lado para outro, nos momentos inexpressivos, nos sonhos refeitos, nas reclamações, no bofe revirado pela intolerância. A pia está quase limpa. E mesmo tendo visto dias melhores, apoio para um fogareiro de duas bocas, vai ficar para trás, como testemunha do pedaço de vida que termina aqui, em mais uma história que prossegue sem tempo para cuidados desnecessários com o que é alheio. Os tê...

Carta a um Ausente I

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Hoje choveu. Demorou e quase não quis, mas choveu. Você não sabe: meus vizinhos estão dando um jeito de tomar cerveja e ouvir música (aquele tipinho de música) apesar de tudo. Não sei como os pobres desse calibri conseguem comprar tanto álcool e se iludir assim. Eles conseguem. E é um mistério para mim. Não sei onde você anda e espero que no esconde-esconde da vida acabemos trombando por aí, apesar de que o meu fim esteja próximo (a idade e as pestes chegam para todos). Ainda está chovendo. Daqui a pouco para.  Espero que onde você esteja o céu esteja limpo e com estrelas brilhantes.

Expressões II

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Crônica de uma vida insuficiente XXII

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 Não foi de repente que fomos nos afastando. Foi violento. Palavras ásperas e gestos bruscos marcaram a nossa diáspora. Você está em longínquo isolamento, nem mesmo sei se ainda vive. Não há mais vestígios da sua existência. Apenas lembranças. Raros momentos que passam pela mente de vez em quando.  Nos dias de sol de 32º o cheiro da água molhando uma grama em constante declínio lembra seus medos, suas alegrias, suas lágrimas. Suas lágrimas ganharam prêmios, nem sei se você sabe. Se sabe, talvez não se importe. A essa altura, com a morte plantada em nossas portas, não tem mais importância. 

Trabalhador Brasileiro V

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 A voz forte de Maria Bethânia ecoa pela casa.  "(...)no balanço das ondas me ensinou a bater seu tambor, okê arô (...)" E reflito sobre a trabalhadora da empresa de transporte coletivo de Aracaju, à espera do 001 - Augusto Franco/Bugio. Reflito sobre o poder que elas e os companheiros de trabalho dela têm sobre os empregadores, políticos e empresários; sobre o fato de os rodoviários serem tratados como criminosos quando reivindicaram o direito a ter um ticket alimentação, dignidade e boas condições de trabalho. Reflito sobre os critérios que a hipócrita Drogasil, logo ali na esquina, empurra goela a baixo, de clientes e funcionários, só para vender mais, lucrar e enriquecer acionistas alheios às necessidades dos trabalhadores que são assediados, perseguidos e humilhados por gerentes e supervisores fracos, moral e intelectualmente. Reflito sobre as pessoas que transitam em shoppings, comprando lixo. Reflito sobre o poder que reside nas mãos de cada brasileiro e de...

Crônica de uma vida insuficiente XXI

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Mentirosos, estúpidos, ignorantes. O varejo está cheio dos piores espécimes que pode existir na periferia. Fracos, vendidos, incapazes. Praticamente é impossível sair de casa e ter o mínimo de decência ao lidar com seres humanos. Gentinha da pior laia, rebotalho infernal de uma sociedade doente. Ninguém escapa. As pessoas tem problemas sérios e tornam-se escravas porque não conseguem sustentar um posicionamento, uma opinião, um olhar decidido. À mais leve promoção no ambiente de trabalho, mulheres se degradam moralmente e homens envergonham aos ancestrais selvagens. À mais efêmera modificação na educação, que sempre é para pior, produz-se uma legião de incompetentes. A humanidade não está sofrendo com as doenças, mas sendo salva de si mesma. E não ter que sair, lidar com homens e mulheres diminutos, é uma benção.

Os Passos da Nova Ditadura (14)

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O pobre continua passando fome e sendo convencido de que trabalhar oficialmente oito horas diárias formais e mais um tanto de horas extras informais para ser aceitável e ter a aprovação de chefes e supervisores medíocres. O pobre não tem o direito de se locomover com qualidade e com segurança - ônibus lotados, apertados como câmaras de gás alemãs e sempre com atrasos. O pobre tem que beber álcool todos os dias, em qualquer folga que tem, para esquecer que comer é caro e que os reajustes econômicos colocam-nos no mais abjeto modo de viver. A peste negra é só mais um elemento na triste realidade do pobre brasileiro. A Ditadura Brasileira que ressurge com o Messias já é descaradamente corrupta e tem uma legião de adaptos, possui o aparelho estatal para fazer e desfazer políticas sociais e públicas cruéis. O que essa Ditadura ganhou, de presente, foi um vírus que mata pobre, como se a fome, a violência e as pestes menores não fossem suficientes.

Crônica de uma vida insuficiente XX

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Domingo de Sol. O Brasil é notícia no 20minutos.es por causa da média móvel de mortos por covid-19. Os governos estadual e municipal reimprimem medidas de contenção da população com o objetivo de controlar os casos de mortes e de infectados por essa que é uma peste negra moderna. Na rua, aqui na minha porta, música alta comemora o calor, a cerveja, a folga, o feriado que se aproxima. Se há isolamento? O meu. Só o meu. Sempre o meu. Ainda deu tempo de comprar uma coca-cola e alguém baixou um pouco a música. O calor está de matar e faz com que o cadáver do homem assassinado ontem na praça (traficante e usuário filho de um policial da outra rua) se decomponha na velocidade escapista das moscas. Um domingo, apenas.

Os passos da Nova Ditadura (13)

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O que poderia ser dito que ainda não o foi? Gritos e murros. Choro e xingamentos. Vermelhos ideológicos de um lado e centro mercenário. Pobre viajando a Paris? Médico, advogado e engenheiro favelado? Um absurdo que a Casa Grande e os pseudo ricos medianos não suportaram. E entendê-los até que é fácil. Não dá mesmo para entender o nordestino que possui um carro de n-ésima mão, repintado tantas vezes que não se sabe mais qual a data correra de fabricação e que só come porque programas de distribuição permitiu-lhe uma segurança alimentar básica, ainda que pobre, seguir bovinamente alguém que quer colocá-lo em um curral, literalmente, lugar (dizem eles lá) esse nordestino nunca devia ter saído. E falo do nordestino porque eu encontro com ele todo dia, em lugares diferentes e com os mais diferentes nomes. Imagina os de outras regiões!? Tudo o que poderia ser dito já foi dito. Agora os mortos, e não só por Covid-19, acumulam-se. E não há nada que ainda possa ser dito. Há o que...

Crônica de uma vida insuficiente XIX

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Há pessoas que não apenas estão dispostas a fazer tudo o que podem para tornar a vida de outras pessoas difíceis como também criam, em suas mentes doentes, narrativas que justificam, para seus egos doentes, as atrocidades que cometem e levam os outros a cometer. Muito comum, essas pessoas arregimentam para suas atividades macabras e cruéis seus subordinados, seus amigos influenciáveis e toda sorte de espírito baixo que pode alcançar. Narrativas questionáveis e um sem-fim de argumentos insuficientes sustentam essas pessoas, que são encontradas desde as mais nobres famílias até as mais belas culturas organizacionais. E o que fazer quando encontrar essas pessoas? Infelizmente, apenas debandar, pois, de que modo, como provar intenções? Como provar sentidos, sarcasmos e ironias? Como provar que vinganças são empreendidas dentro da "legalidade"? Como provar, efetivamente, vinganças e mesquinharias? O fato é que entre escolher provar o que não precisa ser provado e ...

Trabalhador Brasileiro IV

Quando a Diretoria de Recursos Humanos implementa uma política de promoção ensandecida em que os indivíduos são elevados de cargo não por qualificação e capacitação, mas por possuir um registro em um Conselho de Classe, o que ocorre é a incidência e reincidência de abusos e assédios. _ Ninguém consegue falar com você em tempo hábil- ela diz. _ Não é verdade. Todos que querem conseguem falar comigo em tempo hábil e por múltiplas plataformas. _Eu não consigo - ela retruca, contrariada. _Não é verdade. Eu marquei você em vários posts no Instagram. Então você tem uma forma de falar comigo. _ MAS EU NÃO QUERO! NÃO QUERO TER SUA CONTA. NÃO QUERO TER CONTATO COM VOCÊ! - ela salta, beirando o absurdo. _ Então não posso fazer nada. _ VOCÊ TEM QUE TER UM WHATSAPP. COMPRE UM CELULAR- ela tenta obrigar a ter um aparelho celular. - Não posso e não vou comprar um celular. Tenho outras prioridades. - ENTÃO VOCÊ VAI TER QUE ASSINAR UMA ADVERTÊNCIA PORQUE NÃO TEM COMPROMISSO COM A EQUIPE. ...