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Mostrando postagens de março, 2023

No vale de idiotismo

 Vamos crescendo e entre chibatadas "educadoras", chacotas "inocentes" e sonhos capitalizados acabamos tornando-nos insensíveis e avaliadores do outro com certa malícia necessária, embora muitos não consigam escapar das armadilhas sociais.  É assim que se reconhece o cretinismo senil dos evangélicos, aquelas mulheres que usam o útero como meio de vida por meio da geração de criaturas infelizes e dos homens que acham na toxicidade de comparações penianas disfarçadas de certos "sucesso".  E como escapar? Nem sempre dá. Às vezes só dá para escapar sendo bem cretino e em outras sendo patriarcalmente preconceituoso.  É isso ou se render às imbecilidades de um cotidiano deplorável.  Ali na frente mesmo, a múmia evangélica crê que se falar o nome de uma certa deidade ficcional poderá ser salva da lama do pós-vida que a espera. Confrontada com essa realidade, fica ofendida - mais com o fato de que vai servir como adubo do que com a negação da falsa deidade.  Na ou...

Item de massa necessitada

 Somos condicionados a desprezar o descanso em prol de uma rotina atarefada e desnecessária. Sem questionar o que, efetivamente, precisamos e sem nos entender no contexto social, sempre pessoal e particular, vamos consumindo filmes por osmose, música ditada pelo "gosto popular", itens pessoais em alta na moda do momento. Acabamos nos tornando apenas mais um integrante no vasto mundo da produção em massa cuja única particularidade é escolher um tom de cinza.  É madrugada e a maioria dorme com o peso de ter que acordar bem cedo, daqui a pouco, pegar algum alimento e partir para o ponto de ônibus ou metrô para ir a empregos que pagam mal, são psicologicamente agressivos e que não satisfazem os desejos mais básicos, segundo a pirâmide de Maslow. Alguns, principalmente os chefes, hão de dizer que é melhor do que nada. Será? E é melhor para quem? Pagamos um preço muito alto pela rebeldia de viver do modo que se quer e precisa. E um preço ainda mais alto por sobreviver do modo que o...

O outono de Áries

 O outono começou lavando a rua, os telhados, os pés cansados de tantos andarilhos-em-circulo. A água revelou goteiras nunca antes vistas, a necessidade de mais roupas de cama e preocupações diferentes.  O outono anda escondendo Áries, sentida por todos, tendo eles conhecimento disso ou não. Mais cedo, ali na praça, uma colisão entre dois veículos foi a atração rueira. Um pouco antes e em direções opostas, duas outras colisões chamaram a atenção dos transeuntes.  Um pisciano reclama da má sorte, um escorpiano anda arisco, um ariano anda...bem, como sempre anda um ariano. Agora ouço a chuva e não sei se pagaram um boleto necessário e dúvidas persistem sobre outras ordens de pagamentos. Um dia de cada vez, é o que nos pedem.  Pode ser que nesse outono tenhamos frutas mais baratas e amores mais populares - é essa a esperança do pós-pandemia. O que se pode saber, com precisão, é que Belchior, nessas madrugadas pensantes e tão chuvosas, é ainda mais fundamental.

Crônica de uma espera

 Ontem o céu rugiu. Parecia um leão que não sabia se dormitava ou acordava de vez para rondar o território da caça. Nuvens de chumbo precipitavam-se em momentos inesperados. Para além disso, nada. Nas cidades do interior ruas inteiras com feiras livres. Na capital, os shoppings. Na rodovia que faz esquina com a rua uma corrida anual se desenrolava.  Entre paredes nada disso importa - novos demônios subjugando antigos fantasmas, vergonhas diversas dentro dos bolsos, olhos cansados e boca cerrada pelo peso de uma vida errante. Entre as paredes ouve-se os pingos da chuva, o rugido do leão celeste, o silêncio na casa vizinha, a vida desgraçada que se leva por força das circunstâncias. Hoje o céu está limpo e vidas diferentes interagem entre si no outro lado da parede. Deste lado não há vida. Apenas uma espera que nunca acaba.  

Dias infernais de Herege

 Algumas doutrinas cristãs (e daí já é possível ter uma bela ficção) levantam a hipótese doutrinária de que podemos ter escolhido nossos pais, nosso país e as condições materiais nas quais nos encontraríamos depois de nascer. Se isso for verdade ou tiver algum traço desta, precisamos amaldiçoar a nossa péssima capacidade de escolha.  Há dias em que nos encontramos em tão desagradável situação que só pode ser descrita, brandamente, como um inferno na terra e nem nos piores dias de pensamentos mais tenebrosos dos filósofos mais hereges teria ocorrido uma narrativa de uma personagem em dia tão terrível. Às vezes o dia é mais de um. E situações mais adversas, dentro e fora do próprio controle, leva-nos ao melhor autocontrole possível, que é não só não perder o réu primário como não parecer uma pessoa enlouquecida "sem motivos". E, se nesses momentos, alguém mencionar que foi escolha - certamente o réu primário será perdido. No fim, palavras brandas são enervantes e o sossego é a ...

O cansaço de viver

 Um dia a gente vai perdendo o gosto pelas coisas. Em um mês de abril a gente vê que não gosta mais de desenho animado. Em maio a gente perde a paciência para essa coisa de dia das mães. Quando junho desponta no firmamento percebemos que não contemplar a lenha queimando é um alívio.  É assim que, percebendo ou não, vamos morrendo aos pouquinhos, com muitos graus de insensibilidade. Com a perda de pequenas alegrias que nos acalmavam a mente e arrefecia o aperreio dos dias. E parece que não há nada que possa mudar isso porque, em uma última instância, significa a perda da inocência também.  De repente, ou nem tanto, nos vemos lutando para pagar contas e sobreviver mais um dia. Reclamamos de trabalhos ruins e chefias tóxicas e, mesmo assim, arranjamos desculpas para manter a situação até o limite do tolerável. Amargamos a solidão a dois e continuamos tendo medo do estar só, um paradoxo que só nossa mente consegue processar. Vivemos como criaturas infames pedindo aos deuses u...

Clientes e emoções em diminuta remuneração

 Nada como o ser humano para estragar o dia de qualquer outro ser humano. Penso que aquele livro errou ao afirmar que, em certas situações, o homem é o sal da terra. Ou acertou para mais, salgando demais essa terra que já se encontra amarga. A mulher do vizinho relatou que é difícil trabalhar no varejo porque as colegas ficam conversando entre si e com outras pessoas pelas redes sociais e deixam os clientes abandonados e quando ela toma a iniciativa de atendê-los (cometendo o grave erro de desrespeitar a ordem de atendimento das vendedoras) é repreendida pela chefia imediatamente superior. Uma heresia tão grande não pode passar impune. JAMAIS! Gostaria de poder ter-lhe dito que nem todos os trabalhos são assim e que certamente ela vai encontrar um lugar onde poderá ser valorizada em toda a sua proatividade. E que as intrigas dos pequenos poderes não se perpetuam.  Gostaria muito, mas não pude porque não seria verdade e nem mesmo eu acreditaria nisso.   A mediocridade...

A irresponsabilidade humana in vivo

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Você vai ao mercado da esquina e enquanto passa as compras no caixa aparece um cachorro abandonado com cicatrizes por todo o corpo. Enquanto caminha pela rua encontra gatos abandonados que são alimentados pelos proprietários do petshop. Se aguçar um pouco a visão ainda verá filhotes por todos os lados. Os animais tidos domésticos são abandonados na mesma velocidade com que nos encantamos pelo mundo digital e suas facilidades. Amamos videos de gatos bebendo água acionando torneiras e odiamos, mais até, os gatos próximos que nos pedem alimento, abrigo e proteção. Apreciamos um cachorro de qualquer raça definida e detestamos o mestiço, que só encontra respaldo social de existência em postagens de redes sociais. Ao parar para ver o que nos incomoda no cotidiano é fácil perceber que é a nossa própria insensibilidade para a fatia de meio ambiente que ocupamos que torna nossa vida cheia, feia e depressiva. É o nosso descaso com o meio ambiente que inunda cidades, desmorona casas, ...

Golpes por escolha

Antes, em algum momento romantizado em que eu não perambulava sobre a face danificada da Terra, os golpes eram mais refinados. Talvez porque não havia essa hiperconectividade toda e os meios analógicos de viver requeressem mais criatividade. Nesses tempos idos caía no golpe qualquer um, mesmo o mais esperto. Agora não. Nas redes sociais há perfis de mulheres e homens belíssimos que são administrados por homens e mulheres feíssimos. Há fotos montadas que iludem nossos pensamentos. Golpes envolvendo a ideia de sexo existem aos milhares e basta apenas escolher o que melhor agrade. Tem aqueles que oferecem enriquecimento súbito. Dá até para pagar com pix! E a promessa é de lucro de mais de 10 vezes o valor investido. No fim, hoje, caímos em golpes porque queremos, nem é por ingenuidade. Sabemos que é golpe e preferimos arriscar - para manter a vida em movimento. Jogamos fora o dinheiro, a reputação, o trabalho de uma vida... Escolhemos, de vez em quando, cair em golpes e está tudo bem. É e...

Como o primeiro domingo

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Arte: The Israelites in Egypt–Water Carriers, from "Dalziels' Bible Gallery". MET. São os primeiros dias do mês e o burburinho sobre os depósitos nas contas bancárias está em alta. Afinal, o dinheiro precisa estar presente para atestar o fato de que nós nos vendemos barato demais para sustentar a vida de luxo de alguns poucos. Mas é domingo - pé de cachimbo, cachimbo é de ouro...- e o calor pede uma praia ou uma sombra na calçada para ver os cristãos neopentecostais desfilarem rumo a igrejas. Por falar nisso, melhor calar sobre a responsabilidade de certos cristãos nas mortes de brasileiros por covid-19, violência periférica, homofobia e racismo - não quero estragar a pretensa idolatria a cada esquina. Ainda não vi meu vizinho neopentecostal - pássaros presos e gemidos à noite é o melhor que ele pode oferecer em termos de fofoca, uma decepção. Talvez, somente talvez, mandem executar as folhas de pagamento amanhã e os assalariados tenham dois minutos de paz - um dia eles a...