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Mostrando postagens de outubro, 2016

Fome*

Rói dentro do mundo O queimor do sem nem o quê Rói o ácido espalhado No mundo interno Do corpo extenso Rói o rueiro Sem medo Corrói a fome. *Poema do livro   Anjo da Guarda , de Rafael Rodrigo Marajá.

Fantasiando estupidez

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Obra: Garden at Saint-Adresse. Claude Monet. 1867. “Estupidez fantasiar dificuldades.” Insônia, Graciliano Ramos. As dificuldades sempre irão existir. A natureza dual do ser humano, refletida em suas obras artísticas, nas megaconstruções, nos devaneios de amor e glória, exige, por si só, o elemento dificultoso para que a recompensa seja doce e todas as atrocidades realizadas com o propósito final para obtê-la sejam justificadas. Há dificuldade na escola, nos relacionamentos, no corporativismo dos empreendimentos e no simples ato de levantar da cama. Agora imagine que se além das resistências e dificuldades naturais da existência humana passarmos a imaginar e criar tantas outras? Não teríamos mais o que fazer e tampouco viveríamos, pois as dificuldades, reais e imaginárias, pôr-nos-iam rédeas e nos prostraria para a morte em vida, que já arrebata milhões de pobres – materiais e espirituais. E se chamam de otimistas ou sonhadores aqueles que não imaginam fantasias e ten...

Morte Solitária*

Acenda o cigarro E queime o pulmão A alma e a casa Destrua o fígado Com  garrafa aberta De cachaça ou uísque Arrase o olho com o pino Do álcool inconsumido Mate-se sem levar consigo Nada de dentro ou de fora. *Poema do livro   Anjo da Guarda , de Rafael Rodrigo Marajá.

A canção mais linda

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Uma das canções mais lindas que já ouvi é surpreendentemente atemporal. Do repertório do cantor e compositor Oswaldo Montenegro, A vida quis assim é simplesmente bela, emocionante e rica – um exemplo da beleza da poesia brasileira e da sonoridade das palavras. Com um arranjo à altura da poesia, através da voz ímpar de Montenegro, essa canção é capaz de arrebatar qualquer um que esteja sensível ao belo e ao sublime. A primeira vez que a ouvi foi por obra do acaso quando elaborava uma apresentação para uma aula na pós-graduação. Em meio aos princípios pedagógicos que seriam ensinados, e pensando seriamente sobre eles e sua aplicabilidade em sala de aula, acabei esbarrando em A vida quis assim no youtube e foi encanto à primeira vista. Já a reproduzi dezenas de vezes e continuo ouvindo sem cansaço porque ela é simplesmente inspiradora. Há quem não goste de alguns ramos da Música Popular Brasileira – e prefira exclusivamente, quase sempre, o funk (que eu também gosto) ou alguns hits d...

Olhar de Jeca

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Fonte: MetMuseum. Asher Brown Durand. No céu, em veludo negro, a lua reflete sua luz em uma terra ainda quente. No quintal, em meio ao lixo de dias e dias acumulados, com uma galinha que não voa de um lado, um jeca fala à lua seus desânimos. E chora. Chora baixinho, quase fazendo uma prece ao Deus que habita no Alto e dentro de si. Chorando, com amargura de uma vida que não sai do ato simplório de plantar e colher – trevas, tormentas, furacões e tempestades – o jeca deixa de lado os agradecimentos e lembra das agruras. Em meio às cascas de coco, restos de comida, latas amassadas, pedaços de pau, bosta de galinhas, com gabirus andando ao longe e aves de rapina sobrevoando o céu claro, Jeca tenta, e não consegue, lembrar quando deu a si o luxo de pensar na vida, de onde veio e para onde vai. E não lembra. Não consegue dizer se vai para algum lugar depois que o corpo engelhado pelo sol e enrugado pelas preocupações mesquinhas cair jazido na mesma terra que não rende o pão no f...

Vida e morte

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Obra: Dune Landscape with Oak Tree. Jacob van Ruisdael. 1650-1655. Tem gente que morre aos poucos, em doses homeopáticas. Uns sentam toda tarde, com u cigarro entre os dedos da mão direita e um copo de café na esquerda enquanto o tempo passa lento, trazendo as sombras da noite. Outros, com menos coragem, jogam-se de pontes e viadutos, sem aviso e sem lamúrias. E aqueles que vivem a rotina, acordando todas as manhãs para fazer a vontade alheia, para beijar a mão dos seus amos, morrem rápido, mas não sem dor. Tem gente que escolhe morrer quando pode viver. Morrer é fácil. Engole-se comprimidos; respira-se gás venenoso; atira-se fogo; obedece-se cegamente a qualquer um; recusa-se a comer; corta-se os pulsos; joga-se na frente de um caminhão... Viver é difícil porque exige coragem e muita força de vontade. Para viver é preciso dizer não aos outros com muita frequência e estraçalhar, sem piedade, a vaidade daqueles que tentam escravizar-nos. Viver exige a solidão de estar no cami...

Pelo telefone

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Obra: Fragment of a Queen's Face - reign of Akhenaten. Dinasty 18. 1353-1336 B.C. Seminua, olhando o teto, falava ao telefone. A língua tocava nos dentes brancos sibilando uma voz macia, suave, sussurrada. Excitava-o com frases incendiárias faladas baixinho, em um sussurro provocante. Sua mão subia por suas coxas, apertando-se, quente, voluptuosa, enquanto palavras pulsantes atravessavam o espaço em micro-ondas até outro ouvido. Queimando, salivando, suas mãos apertavam os seios, excitava-se em mãos imaginárias que das dela fazia de instrumento – e percorria sua barriga, sua boca, seus olhos, suas coxas, sua pulsação escaldante e vermelha. Nua, arquejando, desdobrando-se em partes desiguais, molhando a si e a cama, ela miava, grunhia, contorcia-se segurando em uma das mãos um telefone enquanto a outra, voraz, invadia-lhe a umidade prazerosa dos grandes lábios – indo sempre mais fundo, mais ardente. Súbito, o miado cessa, as coxas caem inertes e os olhos abrem-se preguiçosam...

Educação Crítica

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Fonte: imagem da internet “A educação, direito de todos e dever do  Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Constituição Federal de 1988, Art. 205. A formação de uma geração capaz de tomar as próprias decisões baseadas em posicionamentos bem fundamentados vai muito além da mera transmissão de conhecimento secular. Os indivíduos em formação necessitam de uma carga intelectual e empírica capaz de fazer com o acontecimento mais banal seja analisado sob os pontos de vista mais diferentes, em pura harmonia com a ética e a moralidade. A educação, portanto, é a velha e eficaz ferramenta capaz de moldar uma geração de modo que cada indivíduo seja, por si só, uma instituição capaz de gerar um posicionamento e a defesa deste ante as mais diferentes opiniões que podem surgir, sejam elas contrárias ou não. O problema...

Passante Vida*

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Obra: The Creation of the World and the Expulsion from Paradise. Giovanni di Paolo. 1445. Olhando para todos Apressados e chorosos Fico na estante No seu cais atracado Sem estreias e cantadas Sem ondas de alegria Olhando apenas como A esfinge a planar Em areias andantes Na nudez ria Da solidez porcelanada Olho da estante. *Poema do livro   Anjo da Guarda , de Rafael Rodrigo Marajá.