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Esse negro capitão-do-mato

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Foto: Military Flail. Met.   O Negro foi estrategicamente dividido entre preto e pardo (de várias tonalidades) como forma de dividir um povo já enfraquecido pela fome, pela violência - física, moral, econômica e psicológica-, pela inacessibilidade à vida digna e pela total falta de tudo o  que poderia humanizá-lo. O negro, totalmente sem valor pela elite brasileira e pelo seu braço social - a classe média -, continua sendo o atendente do posto de combustíveis, a faxineira, o trabalhador da coleta de resíduos urbanos, o porteiro... para essa gente branca detentora do Estado, do poder econômico e de um prestígio social autocriado para autossatisfação, o negro continua sendo o escravo sem alma, sem opinião e sem vontades, que merece apenas comer o básico para ter força para os trabalhos pesados e para a procriação, como se animais não humanos fossem. Para minimizar a as críticas dos pares, criou o Dia da Consciência Negra. Veja que até nisso o racismo se mantém - a consciênc...

A visita da morte em Umbaúba

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A vida, sempre efêmera, não pode ser vivida com dignidade e, no curso natural dos eventos, não há morte com dignidade, por mais que tentemos nos enganar. Essa morta, insidiosa, está sempre pronta para levar os vivos em cada vão momento. Sorte de quem pode escolher como e quando morrer; quem não pode, por outro lado, acaba sendo vítima dos caprichos dessa dama invisível. Ontem mesmo, em Umbaúba, aquela cidade em que a Polícia Rodoviária Federal torturou e matou um brasileiro negro à luz do dia como prática de perpetuação do racismo e da divisão de classes, foi palco de um desses caprichos.  Vindo de direções opostas, na pressa de um sábado atribulado, duas motocicletas colidiram levando um condutor, cigano, a óbito. O outro condutor, tentando viver, foi assassinado pelos parentes do já extinto motocondutor como forma de retaliação. Ciganos, os assassinos, foi o que disseram e, pelo que corre nos grupos de aplicativos de mensagens instantâneas, é que esses ciganos já possuem certo do...

Trabalhador Brasileiro VII

 Nós, trabalhadores brasileiros, não queremos muito. Por vezes, inconscientemente, almejamos as migalhas do nosso superior hierárquico, mesmo que esse superior seja tão pobre quanto nós. Migalhas que nos torna mais gente - pessoas dignas, ao menos, de pena.  Aceitamos a degradação porque nos disseram que isso era obrigatório para ter um contrato assinado. E para fazer jus a tal degradação, seguimos sendo atropelados por ônibus urbanos em horário comercial. E, mesmo estirados no asfalto quente com a vida se esvaindo em galopantes momentos de perda de sangue, há sempre um chefe perguntando se dá para ir trabalhar por mais um dia.  Mal alimentados, mal vestidos, inseguros e abusados, nós ainda esperamos as migalhas que nos farão pensar que tudo vale a pena. Precisamos disso para suportar mais um dia, por mais um dia apenas. 

Salvos pelo tapa do pessimismo

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  Objeto: Auguste Barre, Medalist: Jules-Clément Chaplain. Met. Um pouco de realidade e pessimismo faz bem. Sempre faz. Muitos de nós, mesmo vivendo na ilusão de vídeos curtos das redes sociais, jamais teremos uma casa de luxo, nunca saberemos como é estar dentro de um carro de luxo e comer alimentos de alto padrão de qualidade.  Muitos de nós, invejando e desejando a arquitetura da casa de um famoso, o carro confortabilíssimo de um "influencer" e a rotina de um multimilionário, passaremos a vida comendo ultraprocessados feitos de químicos com sabor de tal alimento, com a textura de tal produto - sem jamais chegar a degustar o alimento verdadeiro.  Fingimos falar outro idioma quando na verdade sabemos uma ou duas palavras - o suficiente para fingir que compreendemos o que os personagens de séries e filmes medíocres estão falando. No máximo, viajaremos alguns quilômetros e não tocaremos a realidade do nosso próprio país porque a parca educação que recebemos é suf...

Numerografados

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  Arte: "Trotting Cracks" at the Forge, Currier & Ives. Met. Somos números. Documentos pessoas nos tornam frios algarismos. O sistema de educação e de saúde nos torna índices - meros números que são passíveis de interpretação. O mercado financeiro nos transforma em cifrões que devem ser empilhados para demonstrar o quão rico e importante é um certo indivíduo ou organização. No fim, nada mais que números.  Entre um sistema de classificação e interpretação e outro, comemos, sorrimos, choramos, enterramos outros números, parimos outros tantos e fazemos a máquina movimentar as telas concretas de um mundo apenas abstrato. Sendo números, embora com sangue esquentado pelo calor dos trópicos, é dito inadmissível que queiramos mais, nem é muito, apenas um pouco mais.  A recusa em ser apenas máquinas que sangram nos faz cair no desprezo dos donos do capital. E é somente essa recusa que nos mantém vivos, apesar de toda a estrutura de escravização moderna que nos mantém...

O lado certo para o bezerro de barro pintado de amarelo

 6h49 da manhã. As portas da IURD já estão abertas com obreiros recebendo as ignorantes ovelhas com um recipiente nas mãos para o ritual vazio da manhã de domingo. As ovelhas, pobres, ignorantes, desesperadas, chegam de todos os lados para sustentar a vaidade dos pastores e idolatrar um bezerro de barro pintado de amarelo que chamam de deus.  Um deus que apresenta uma masculinidade frágil, tóxica, violenta e opressora. Esse mesmo deus que visita os ricos em seus leitos enfermos, mas ignora e despreza os pobres nas filas dos hospitais públicos. Para o rico, esse falso e inexistente deus acolhe, aconchega e visita em sonhos, garantindo a cura, os milagres e a assistência irrestrita. Para o pobre, mesmo que este dê-lhe tudo o que possui e que nunca é suficiente, esse deus os esquece e os oprimi transferindo-lhes as enfermidades que retira dos ricos. Um deus com a cara dos servos - quem paga mais consegue a cura, a paz, o lugar reservado em um pseudo paraíso.  Essas ovelhas, ...

Breves linhas periféricas

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Arte: View of the Brenta, near Dolo, Giambattista Cimaroli. Met.  Na periferia, na praça esquecida pelo poder público, dois times concorrentes formados por moradores locais distraem transeuntes e os próprios jogadores dos acontecimentos tediosos que estão prestes a serem reiniciados pela rotina do trabalhador brasileiro . Os pontos comerciais começam a abrir e empregados do varejo, sentados à porta dos estabelecimentos esperam o tempo de humilhação regimentar que caracteriza a diferença entre patrões e empregados.  Nas ruas, sacolas de lixo esperam ser recolhidas e animais abandonados aguardam a cota de ração doada pelo pet shop local. A vida periférica parece ser a mesma, sempre: trabalhadores indo ao trabalho bem cedo, comerciantes humilhando os trabalhadores, velhos se preparando para o culto e ruas sujas. Observando de longe, é um local vulgar, sujo e que serve de depósito para pobres.  Nas regiões "nobres", as padarias são delicatéssen , os empregados não s...