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Mostrando postagens de julho, 2017

Casamento

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Quadro: Odalisque. Benjamin-Cosntant.  Uma manhã dessas ela chegou e disse “vou me casar”, como se estivesse dizendo que ia à  padaria comprar sonhos. Desferiu-me um casamento a queima-roupa sem dó nem piedade. Seus olhos brilhavam de contentamento ao me fazer entrar em choque. Divertia-se ao debochar da situação, do ridículo que provocou ao colocar mais um em uma história de vários. Mas a alegria efêmera deu lugar à dura realidade quando o pano de fundo caiu, o divertimento passou e o casamento restou. “O que eu faço?”, quis ela saber em meio a lágrimas e incertezas. “Case”. Ela casou, vestida de branco, arrependida, esperando até o último instante para ser salva da própria armadilha. Ninguém a salvou. E competentemente casada, infeliz, arrastando as pesadas correntes da imaginação de um futuro que poderia ter acontecido, entrega-se a paixões diversas. Dia desses, ela disse, ela fecha as portas, abre o gás e toma um vinho. Dia desses, ela disse, ela faz mesmo. ...

A morte do Bumbum

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Foto: Truman Capote. Irving Penn. 1948 E lá ia o Bumbum Guloso, sob a chuva, desviando-se das poças de lama, para a academia. Com a matrícula ainda recente no novo point do corpo, do suor e do prazer, Bumbum Guloso ainda não tinha se adaptado à dobradinha exercícios-cantadas. Ainda com insatisfação pelo bumbum que não crescia, lá ia agachando. Aliás, agachamento era o que não faltava em sua vida. Agachava no trabalho para os impúberes, agachava em casa para o residente, agachava na academia tão logo alguém chamasse. E apesar de tudo a insatisfação continuava ali, martelando – seu bumbum não crescia, não importava o que fizesse. E a concorrência bundástica sempre acirrada, sempre imperdoável. Bumbum Guloso então foi mudando de academia, de instrutores, de alimentação e nada acontecia. Um dia, Bumbum Guloso, na hora fatídica do agachamento de 90kg com o residente, resolveu, orgulhoso, perguntar-lhe sobre o seu desempenho e o seu bumbum turbinado. Ao ouvir, mais uma vez, uma n...

A bêbada desequilibrada

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Foto: Man Lighting Girl's Cigarette (Jean Patchett). Irving Penn. E lá vinha eu, pela turbulenta avenida Alagoas, que agora até de nome mudou, já noite adentro, em um frio domingo típico de Palmeira dos Índios, quando uma bêbada, do outro lado da rua, gritou em minha direção, desfechando em meu peito a milagrosa coincidência do destino de colocar-me diante dela, inesperadamente, para lembrar-lhe de seu amigo, já morto e competentemente morto. Parado, olhando-a sem espanto, em estado de náusea pelo cheiro de bebida e tabaco, estava eu impedido de seguir adiante para não ofender a ilustre memória do defunto desconhecido. Ela quis amizade de verdade - de verdade mesmo, como bem enfatizou diversas vezes - e eu não queria nem o primeiro abraço, imagine o contatinho. A bêbada, cujo endereço eu já tinha conhecimento e agora tento não ser visto sempre que passo próximo à casa dela, teve uma noite feliz depois de rever o amigo morto em mim. Eu, de minha parte chata, só fiquei ab...

A bebida bordô

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Arte: In a Courtyard, Targier. Philippe Pavy. 1886. "El amor es como el vino. A veces nos reconforta. A veces nos destroza". Stefan Zweig Acostumamos tanto a perverter os fatos que quando deparamo-nos com a triste realidade da não reciprocidade de sentimentos acreditamos, fortemente, que é romântico ser atingido por xingamentos e a toda sorte de agressões pela pessoa amada. A regra é, claríssima, é que se na foto todos parecerem felizes e amados, então tudo vai bem. Uma engano comum e tão corriqueiro que passou a ser aceito como padrão em relacionamentos - amistosos e amorosos. A obrigação de amar tira a graça da coisa. A necessidade de estar com alguém leva-nos ao desespero. O amor, nesses tempos sombrios, tem nos levado à beira da loucura e somente nós, individualmente, pode salvar a si mesmo do monstro devorador da autoestima, do amor próprio e de um futuro  - da promessa de um futuro. O amor é vinho nas regiões frias, cachaça na aridez do...