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Mostrando postagens de fevereiro, 2022

Dia de feira

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Photo: Alfred Thompson Gobert. Louis-Rémy Robert. The Met.    Eu vi o dia ir esfriando, amenizando o tormento de uma temperatura acoitadeira de pobres diabos que busca o pão de cada dia - nem sempre de forma digna.  Da minha mesa de bar eu vi o casal que envelheceu com  o costume de tomar uma cervejinha depois das compras na feira. Vi os bêbados que se escondem nas sombras sociais, sempre esperando uma fatia de vida não viciada, languidamente jogada por qualquer passante.  Vi velhos conhecidos. Vi o desespero por maiores vendas. Vi mais um dia que se consumia em rostos gastos, em rotinas cansativas. Vi a noite caindo sobre todos - sobre a minha cerveja e o meio jeito inexpressivo de observar. Vi-me em rostos diversos, vestindo roupas desobedientes à moda corrente, falando a outrem sobre preços e leves pornografias. Até que todos começaram a ir embora e o bar ir esvaziando.  Até que tudo mudou, como sempre muda. E a vida, mutante sempre, transformou-me no bo...

Fórmula mágica

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Arte: Alimentando a Turquia. Eastman Johnson. The Met.   RECEBER + DAR O QUE RECEBER = DIVERGÊNCIAS Quando se inicia a árdua e gratificante tarefa de dar somente aquilo que se recebe há diversos conflitos com aqueles que dão muito pouco ou nada e insistem em receber demais. Frases como "gostaria de ajudar mais" e "Não sei como ajudar" são ditas como orações que apelam para o bom senso do necessitado. Elas são o eufemismo para a mesquinhez.  E de tanto ouvir os mesquinhos e suas frases feitas acaba sendo um - sem tirar e sem modificar letras e sentidos. O que não compreende é essa arma poderosa de ser quem se deseja, como se deseja e da forma que crer ser a melhor. Presos em conflitos pseudo religiosos e pela opinião alheia, os indivíduos reduzem-se à mediocridade que lhes cabe, na fatia mesquinha da reprodução social de papéis ultrapassados que gera a morte intelectual de cada pobre alma que segue por esse caminho. Ouve-se muito que é dando que se recebe. Porém, não...

Pequena discussão de casal falido

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Escultura: Seated Female. Cultura Halaf. The Met.   Qualquer pequena mentira, no ninho de mentirosos e falaciosos, é motivo de briga, quebradeira, xingamentos e baixarias diversas. Era noite quando a discussão sobre o dinheiro começou. Quem havia pegado? Revelada, a verdade causou estrago, mas não tanto quanto o indivíduo furtivo negar, apesar das evidências. Estava na cara, claro como a luz do dia. E como toda pessoa flagrada mentindo, subterfúgios foram usados e em nada convenceram. Só a raiva aumentou. O ódio consumindo em labaredas a ouvinte.  De repente barulhos chamativos foram ouvidos - vidros sendo quebrados, toques indesejados, gritos. Cadeiras voando, porta batendo e um romance falido afundando ainda mais. Já era madrugada quando tudo acabou e os vizinhos, plateia fiel do espetáculo quase semanal, recolheram as cadeiras das portas e voltou ao calor da intimidade não expostas de suas casas. A vida cotidiana tem dessas coisas - infelicidade normalizada pelo medo da sol...

Dia 02

  Vídeo recebido por whatsApp. Gravado em Aju-SE. É dia santo. No mar a Rainha, Princesa, Força e Energia, é adorada. Longe do mar também. Em tudo ela está. A todos ela abençoa, ouve, afaga, escuta.  Mãe. Sereia. Deusa. Em terra também é dia útil - os verdadeiros Desuses, vulgarizados no título de meros santos, não ganham feriado (degradante herança colonizadora) - em que o pobre, com menos dinheiro, menos dignidade e menos espaço de lazer, continua pegando ônibus urbano lotado onde a peste se faz presente, embora ignorada pela demagogia prevencionista.   Para o pobre não há pestes aos olhos de empregadores, governantes e aos próprios olhares. A peste foi elitizada juntamente com as medidas de prevenção. Eis a realidade. E ocupado em chegar no horário para bater o ponto do dia de trabalho ou para chegar em casa, estafado, sem forças para pensar, o pobre não reflete sobre si e a sua situação.  O segundo dia tem velhas hipocrisias, antigos cabrestos, nenhuma novid...

Recado amistoso

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Obra: O conhecedor. Honoré Daumier. The Met.   Entenda, seu corpo é um mero instrumento que serve para olhares, sevícias e vícios. Objeto de opróbrio para si, alegria para outrem. Sua existência é força bruta para o enriquecimento do sistema e de quem não se importa. Importância - conceito interessante para lixo em putrefação. Agrade-se com a mera ideia de imaginá-la para si. Nada tem importância. Entenda isso, e terá entendido tudo. Por que, no caminho, crostas de sujeira são escondidas sob a maquiagem e há mais limpeza nos chorumes que escorrem das vias públicas de certos mercados públicos que sob sua roupa íntima. E, no fim do caminho, nem os bichos hão de querer corpo tão vil.  Entenda isso e entenderá tudo.